Amigos do Fingidor

sábado, 9 de outubro de 2010

Poesia em tradução

O instinto

Cesare Pavese (1908-1950)




O homem velho e já sem esperança nas coisas,
da soleira de casa ao sol morno da tarde,
olha o cão e a cadela aplacando o instinto.

Em sua boca sem dentes as moscas passeiam.
Sua mulher já morreu há um bom tempo, e não é
que gostasse de sexo – tampouco as cadelas –,
mas o instinto era vivo. O homem velho fungava
– tinha ainda seus dentes –, a noite caía,
se metiam na cama. O instinto era belo.

O que agrada no cão é a total liberdade.
De manhã e de noite vagueia nas ruas;
e ora come, ora dorme, ora cruza as cadelas:
não espera sequer pela noite. Reflete
com o faro, e os cheiros que sente são seus.

O homem velho recorda uma vez de manhã
em que fez como os cães, em um campo de trigo.
Esqueceu a cadela, mas lembra o sol alto
e o suor e a vontade de nunca ter fim.
Era como na cama. Se os anos voltassem,
gostaria de sempre o fazer num trigal.

Uma mulher desce a rua e detém-se a olhar;
passa o padre e se volta. Mas no meio da praça
qualquer ato é possível. E até a mulher,
que receia virar para o homem, detém-se.
Só um rapaz, entre todos, não quer ver o jogo
e recorre a pedradas. O homem velho se irrita.

                                                                       Janeiro de 1936


(Trad. Maurício Santana Dias)