O prazer (rondó XXIV)
Silva Alvarenga (1749-1814)
Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.
Amo a simples Natureza:
Busquem outros a vaidade
Nos tumultos da cidade,
Na riqueza e no poder.
Desse pélago furioso
Não me assustam os perigos,
Nem dos ventos inimigos
O raivoso combater.
Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.
Pouca terra cultivada
Me agradece com seus frutos;
Mas os olhos tenho enxutos,
Quanto agrada assim viver!
O meu peito só deseja
Doce paz neste retiro;
Por delícias não suspiro,
Onde a inveja faz tremer.
Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.
Pelas sombras venturosas
De fecundos arvoredos
Ouve Glaura os meus segredos,
Quando rosas vai colher.
Já o Amor com ferro duro
Não me assalta, nem me ofende:
Já suave o fogo acende,
E mais puro o sinto arder.
Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.
Entre as graças e os Amores
Canto o Sol e a Primavera,
Que risonha vem da Esfera
Tudo em flores converter.
A inocência me acompanha;
Oh que bem! oh que tesoiro!
Vejo alegre os dias de oiro
Na montanha renascer.
Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.