Ofício
Farias de Carvalho (1930-1997)
Ruir-me e sem contudo haver ainda
sequer simples começo construído,
saber-me morto e nunca ter vivido
além do gesto que não foi. A infinda
flagelação do instante pressentido
(e só) é o postilhão dessa berlinda
onde o ir-se já sabe mais a vinda
e onde me instalo lúcido e perdido.
Ruir-me e sem poder cantar na queda
o pânico do abismo. Não poder
legar o sonho em ruína para os salvos.
Ruir-me. Como súbito o silêncio
estraçalhado por um grito. E ir-me
ruindo nesse afã de construir-me.