Amigos do Fingidor

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Minha pátria é minha língua

À profissão de Frei João das Mercês Ramos
Junqueira Freire (1832-1855)



Entretanto o céu se levanta sereno
e pomposo como para um dia de festa.
(Carlos Lacretelle)

Eu também antevi dourados dias
        Nesse dia fatal:
Eu também, como tu, sonhei contente
        Uma ventura igual.

Eu também ideei a linda imagem
        Da placidez da vida:
Eu também desejei o claustro estéril,
        Como feliz guarida.

Eu também me prostrei ao pé das aras
        Com júbilo indizível:
Eu também declarei com forte acento
        O juramento horrível.

Eu também afirmei que era bem fácil
        Esse voto imortal:
Eu também prometi cumprir as juras
        Desse dia fatal.

Mas eu não tive os dias de ventura
        Dos sonhos que sonhei:
Mas eu não tive o plácido sossego
        Que tanto procurei.

Tive mais tarde a reação rebelde
        Do sentimento interno.
Tive o tormento dos cruéis remorsos
        Que me parece eterno.

Tive as paixões que a solidão formava
        Crescendo-me no peito.
Tive, em lugar das rosas que esperava,
        Espinhos no meu leito.

Tive a calúnia tétrica vestida
        Por mãos a Deus sagradas.
Tive a calúnia – que mais livre abrange
        Ó Deus! vossas moradas!

Iludimo-nos todos! – Concebemos
        Um paraíso eterno:
E quando nele sôfregos tocamos,
        Achamos um inferno!

Virgem formosa entre visão fantástica
        Que tão real parece!
Mas quando a mão chega a tocá-la quase,
        Lá vai, lá se esvaece!

Sonho da infância que nos traz aos lábios
        Um riso mais que doce:
Mas uma voz, um som... – some-se o sonho,
        Como se nunca fosse.

Tu, filho da esperança! – tu juraste
        O que também juramos.
Tu acreditas, inocente! – ainda
        O quanto acreditamos!

Oh! que não sofra as dores que nos ferem
        Teu jovem coração!
Que o futuro que esperas não se torne
        Terrível ilusão!

Que sobre nós – os filhos da desgraça –
        Levantes um troféu:
E que não aches, – como nós achamos –
        Inferno em vez de céu!