Zemaria Pinto
a escrivaninha é um móvel
num ponto inútil da sala
(debaixo de uma janela)
sua pesada arquitetura
torna-a feia agressiva
aos olhos acostumados
à transparência e leveza
dos outros móveis da casa
nauta de outras geografias
traz tatuada na tampa
os vestígios indeléveis
de batalhas e naufrágios
ais de amor assassinatos
três conchas feito gavetas
são depósitos de idéias
onde traças invisíveis
deixam traços furiosos
nas folhas esmaecidas
composições esquecidas
aos poucos são resgatadas
do túmulo violado
já nem tudo reconheço
mas sei que me fazem parte
anêmicas cançonetas
sonetos ossificados
noturnos anoitecidos
baladas banalizadas
delírios delituosos
poemas velhos poemas
refletindo no crepúsculo
memórias do meu desejo