Amigos do Fingidor

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Quinteto

Zemaria Pinto

Eu vi a moça atravessando a rua
substantiva e prenhe de sorrisos,
vestida em primavera e acalantos.
– O ventre saliente, uma redoma
onde dormita o som e o sonho sonha.

A moça aproximou-se e me beijou
como se beija um filho antes do sono
e sem dizer palavra as minhas mãos
tomou nas suas e me conduziu
entre detritos, gritos, correria.

Os edifícios se multiplicavam
acima das cabeças apressadas.
O ar escasso, a gente que passava,
não me deixavam perceber que a moça
me abandonava em meio ao burburinho.

Em minhas mãos um girassol vermelho
substitui as mãos que até aqui
me navegaram por entre os escombros
da cidade. De novo solitário
recolho-me à vigília de meus dias.

-*-

Já muitos girassóis tenho guardados
no ventre escuro onde acordado sonho
cativo de pacífica certeza:
a moça barriguda é uma invenção
que o sol depositou em minhas mãos.