Arte Poética
Paul Verlaine (1844-1896)
Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar,
Sem nada em si que pousa ou que pesa.
Pesar palavras será preciso,
Mas com algum desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.
Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia,
A turba azul de estrela que estria
O outono agônico pelo céu!
Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
Nuance, só, que nos afiance
O sonho ao sonho e a flauta na alma!
Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!
A eloqüência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!
Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em jóia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?
Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o vôo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.
Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enchem de aroma o timo e a hortelã...
E todo o resto é literatura.
(Trad. Augusto de Campos)