Max Carphentier
Bem-aventurados os que estudam e aqueles que advertem
sobre a imensa mancha do Thar no peito indiano
progredindo sua invasão rapinante
entre o Ganges purificador e o grande Indo deltáico,
submetendo a aflições medradas só no estéril
um quinto já da terra supliciada,
ninho e canção do pássaro Tagore.
Porque esses, considerando o deserto, respeitarão a selva
e participarão da festa de suas cores soltas
na flor que arde contrita em sua missão de aroma,
na asa que equilibra música nos ramos,
na criação que se abriga em seus covis de alfombra,
no fruto que suporta em seu corpo pendente
a força da vegetal misericórdia.
Esses preservarão a flora e as suas urnas
de alívio e refrigério, a flora onde flutuam
leves ânsias de céu no sono das orquídeas,
e a fragílima luz, as sedas matutinas
da túnica do estio urdida em borboletas.
E a selva terá sempre, contra a fome,
gestos de fruta-pão e, contra o medo,
as mãos cheias de amparo das palmeiras.
E a selva manterá a íntima castanha,
essa cabocla pérola protéica
presa nas ostras rudes dos ouriços;
assim também o guaraná velando,
na sua vigília de rubis calados,
os dons da aurora e os cálices do inverno.
Selva de cujos vasos o branco sangue do látex
é derramado por nós para remissão do homem.
Esse homem que é índio e quer o índio
a salvo da asfaltada garra urbana;
índio palestrador de fábulas meninas,
intérprete do vento e irmão da chuva;
índio senhor não inquilino dos remansos;
índio livre porque celebra o vôo e a nuvem limpa;
índio lembrando a hora de voltar
ao ritmo biológico, a hora de acabar
com essa pressa cardíaca das ruas.