Le Coucher de Sapho.
Amigos do Fingidor
quarta-feira, 31 de março de 2010
elegia temporal
Zemaria Pinto
o sangue que me vem quente
e lento
do ventre me recorda
tua ausência
e flui feito o choro
represado
há tanto tempo
desenhando impressões vermelhas
na frialdade branca do vaso
(a meus pés
um longo fio de cabelo
desenha
um possível ponto de interrogação)
o sangue que me vem quente
e lento
do ventre me recorda
tua ausência
e flui feito o choro
represado
há tanto tempo
desenhando impressões vermelhas
na frialdade branca do vaso
(a meus pés
um longo fio de cabelo
desenha
um possível ponto de interrogação)
terça-feira, 30 de março de 2010
De ofício ou carta de fã
Dedé Rodrigues
um dia eu quis descrever o teu feminino
e embarquei numa viagem
de mulheres estranhas
submissas e abandonadas – miseráveis
travestidas – mulheres violadas
mulheres fortes – prostitutas
viúvas – homossexuais
embarquei na loucura
de um bicho tão desconhecido
tão próximo
e tão íntimo
penetrei em minha própria alucinação
um mundo de amantes suicidas
de temporais violentos
e namorei com o vento
desamarrei os barcos
numa viagem sem retorno
Para o Chico
um dia eu quis descrever o teu feminino
e embarquei numa viagem
de mulheres estranhas
submissas e abandonadas – miseráveis
travestidas – mulheres violadas
mulheres fortes – prostitutas
viúvas – homossexuais
embarquei na loucura
de um bicho tão desconhecido
tão próximo
e tão íntimo
penetrei em minha própria alucinação
um mundo de amantes suicidas
de temporais violentos
e namorei com o vento
desamarrei os barcos
numa viagem sem retorno
segunda-feira, 29 de março de 2010
Estante do tempo
Didática
Luiz Ruas (1931-2000)
Palavra por palavra
compõe-se a arquitetura.
O canto é limpo timbre.
É rosa a rosa. Rosa.
Desnuda geometria
espaço libertado:
no campo indevassado
na página tranqüila
desenho desprovido
de inúteis arabescos
os pontos se projetam
em linhas e figuras
os semitons banidos
só restam sombra e luz.
Palavra é só palavra:
Indício fruto ou véu.
Por fim se ordenam símbolos
em lúdica harmonia
Fundindo o lucicanto
Ou coisadedizer.
Luiz Ruas (1931-2000)
Palavra por palavra
compõe-se a arquitetura.
O canto é limpo timbre.
É rosa a rosa. Rosa.
Desnuda geometria
espaço libertado:
no campo indevassado
na página tranqüila
desenho desprovido
de inúteis arabescos
os pontos se projetam
em linhas e figuras
os semitons banidos
só restam sombra e luz.
Palavra é só palavra:
Indício fruto ou véu.
Por fim se ordenam símbolos
em lúdica harmonia
Fundindo o lucicanto
Ou coisadedizer.
domingo, 28 de março de 2010
Minha pátria é minha língua
Horas mortas
Alberto de Oliveira (1857-1937)
Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia!
Desta janela aberta à luz tardia
Do luar em cheio a clarear o espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa a que escrevo apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas –
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Alberto de Oliveira (1857-1937)
Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia!
Desta janela aberta à luz tardia
Do luar em cheio a clarear o espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa a que escrevo apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas –
Um verso, um pensamento, uma saudade.
sábado, 27 de março de 2010
Poesia em tradução
A um amigo distante
William Wordsworth (1770-1850)
Por que estás em silêncio? É teu amor a planta
De tanta fraca fibra em que o pérfido ar
De ausência o que era assim formoso irá secar?
Nem dívida a pagar, dádiva que garanta?
Porém meu pensamento em ti é vigilante,
Atado a teu serviço em incessante zelo –
A mente sem doar requer um mendicante
Por nada, mas poupar que possa teu desvelo.
Fala! embora este doce ardente peito, fito
Para ter mil prazeres almos, meus e teus,
Ficou mais assolado, um esfriar aflito,
Que um ninho abandonado e pleno de nevadas
No mesmo matagal de rosas desfolhadas –
Fala, e a ânsia das dúvidas, seu fim saiba eu!
(Trad. José Lino Grünewald)
William Wordsworth (1770-1850)
Por que estás em silêncio? É teu amor a planta
De tanta fraca fibra em que o pérfido ar
De ausência o que era assim formoso irá secar?
Nem dívida a pagar, dádiva que garanta?
Porém meu pensamento em ti é vigilante,
Atado a teu serviço em incessante zelo –
A mente sem doar requer um mendicante
Por nada, mas poupar que possa teu desvelo.
Fala! embora este doce ardente peito, fito
Para ter mil prazeres almos, meus e teus,
Ficou mais assolado, um esfriar aflito,
Que um ninho abandonado e pleno de nevadas
No mesmo matagal de rosas desfolhadas –
Fala, e a ânsia das dúvidas, seu fim saiba eu!
(Trad. José Lino Grünewald)
sexta-feira, 26 de março de 2010
Fui eu
Orides Fontela (1940-1998)
eu fui
eu?
consegui?
Existir: assombro.
Fui eu! Serei?
Nem Deus
diz.
Existir: abismo.
Como me
atrevi
como nasci?
eu fui
eu?
consegui?
Existir: assombro.
Fui eu! Serei?
Nem Deus
diz.
Existir: abismo.
Como me
atrevi
como nasci?
quinta-feira, 25 de março de 2010
Do urutau
Max Carphentier
Vivendo de morrer do amor perdido,
a alma da cunhã, presa na lua,
às vezes desce sobre a noite, e canta
com o nome de urutau, ave das sombras,
em que se encarna pra sofrer nos ramos.
É que Tupã um dia a condenara,
por ter sido infiel, a errar nas trevas,
penando como fazem as flautas tristes.
E vem nesse cantar da lua à terra
toda mágoa dos olhos que interrogam
o céu sobre o pesar do amor sozinho,
como o pesar que sofre essa cunhã
que, se um falaz amor tarde traíra,
do verdadeiro amor cedo partira.
Vivendo de morrer do amor perdido,
a alma da cunhã, presa na lua,
às vezes desce sobre a noite, e canta
com o nome de urutau, ave das sombras,
em que se encarna pra sofrer nos ramos.
É que Tupã um dia a condenara,
por ter sido infiel, a errar nas trevas,
penando como fazem as flautas tristes.
E vem nesse cantar da lua à terra
toda mágoa dos olhos que interrogam
o céu sobre o pesar do amor sozinho,
como o pesar que sofre essa cunhã
que, se um falaz amor tarde traíra,
do verdadeiro amor cedo partira.
quarta-feira, 24 de março de 2010
exercício nº 4
Zemaria Pinto
O som do sol se pondo sobre o rio
compõe a melodia-desatino
de negros ecos, negras ressonâncias,
inventando hemoptises na calçada.
Um barco rasga lentamente a água
e uma gaivota faz evoluções
tardias. Pela beira, dois cães magros,
como dois homens, caçam nos monturos.
Aos poucos, desfaz-se a tarde submissa
à noite, o imenso pássaro sombrio,
sobrepairando azul sobre a cidade,
o hálito morno, as garras afiadas.
Meu peito inda lateja a dor antiga,
tanto cruel quanto serena e amiga.
O som do sol se pondo sobre o rio
compõe a melodia-desatino
de negros ecos, negras ressonâncias,
inventando hemoptises na calçada.
Um barco rasga lentamente a água
e uma gaivota faz evoluções
tardias. Pela beira, dois cães magros,
como dois homens, caçam nos monturos.
Aos poucos, desfaz-se a tarde submissa
à noite, o imenso pássaro sombrio,
sobrepairando azul sobre a cidade,
o hálito morno, as garras afiadas.
Meu peito inda lateja a dor antiga,
tanto cruel quanto serena e amiga.
terça-feira, 23 de março de 2010
Fim de fita
Regina Melo
À memória do Cine GuaranyDêem adeus aos anjos loucos
às pragas empestando as praças
aos sussurros dos loucos
desvairados
das crianças que beijam
todas as bocas
Dêem adeus aos piratas clandestinos
na orgia das madrugadas.
O Guarany acaba de ser
demolido!
segunda-feira, 22 de março de 2010
Estante do tempo
No Roadway
Alcides Werk (1934-2003)
As águas do Roadway são negras
porque são filhas do rio Negro,
ou porque os homens as toldaram?
As águas lavam tudo,
mas não lavam a si mesmas.
Meu pequeno espírito, absorto,
filosofa sobre essas obviedades.
Já vi muitas pessoas
lavar o lado sujo de suas almas
no rio Negro.
Estamos ficando velhos
precocemente
- eu e o rio Negro.
Alcides Werk (1934-2003)
As águas do Roadway são negras
porque são filhas do rio Negro,
ou porque os homens as toldaram?
As águas lavam tudo,
mas não lavam a si mesmas.
Meu pequeno espírito, absorto,
filosofa sobre essas obviedades.
Já vi muitas pessoas
lavar o lado sujo de suas almas
no rio Negro.
Estamos ficando velhos
precocemente
- eu e o rio Negro.
domingo, 21 de março de 2010
Minha pátria é minha língua
Iara, a mulher verde
Cassiano Ricardo (1895-1974)
Neste país de coisas em excesso
o sol me agride, o azul passa da conta.
No entanto, os poucos beijos que te peço
o teu amor futuro me desconta.
De tanto céu tenho a cabeça tonta.
O meu jornal é todo em verde impresso.
Só tu, a quem já um pássaro amedronta,
te fechas no mais íntimo recesso....
No país do excessivo, és muito pouca.
Vê a borboleta jovem, como esvoaça.
Vê como nos convida a manhã louca!
Por seres assim, se tudo é assombro,
se a própria nuvem branca – e com que graça –
só falta vir pousar em nosso ombro?
Cassiano Ricardo (1895-1974)
Neste país de coisas em excesso
o sol me agride, o azul passa da conta.
No entanto, os poucos beijos que te peço
o teu amor futuro me desconta.
De tanto céu tenho a cabeça tonta.
O meu jornal é todo em verde impresso.
Só tu, a quem já um pássaro amedronta,
te fechas no mais íntimo recesso....
No país do excessivo, és muito pouca.
Vê a borboleta jovem, como esvoaça.
Vê como nos convida a manhã louca!
Por seres assim, se tudo é assombro,
se a própria nuvem branca – e com que graça –
só falta vir pousar em nosso ombro?
sábado, 20 de março de 2010
Poesia em tradução
Kubla Khan
Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)
Em Xanadu, um palácio de prazer
Comanda-o Kubla Khan como um farol
Onde Alph, rio sagrado, vem correr
Através de cavernas sem mais ver
Ao ser humano até um mar sem sol.
Assim, milhas e milhas de bom solo,
Cerca de muro e torres polo a polo:
E lá jardins luzentes em ribeiros
Curvos e árvores com flor e incenso;
Aqui florestas velhas qual outeiros,
Estufam tons de sol em seu descenso.
Mas, oh! ideal abismo que desceu
Pela colina em cedro verdejante!
Lugar selvagem! santo e tão galante
como sob um luar minguante deu-se
A uma mulher em prantos: demoamante!
E no abismo em tumulto sem cessar,
Como se esta terra estivesse a arfar,
Uma possante fonte foi lançada,
Entre seus fortes jatos em camada
Grandes fragmentos alçam-se, granizos,
Ou áridos grãos sob o mangual com guizos;
Sempre e uma vez rochedos dançarinos
Davam-se em relance ao rio divino.
Cinco milhas em deslizar insano
Entre vales e bosques foi-se o rio
E chegou às cavernas sem feitio
E agitado entrou no vago oceano:
E nisso Kubla de longe a escutar
Vozes velhas a guerra a anunciar!
A sombra do palácio do prazer
Flutuou pelo meio das marés
Quando se ouviu a escala do envolver
Da fonte e das cavernas. E até
Era milagre de raro desvelo
Um solar de prazer, cavas de gelo!
Uma donzela com saltério
Vi certa vez como algo etéreo
Era uma virgem da Abissínia
E no saltério dela ouvia
O seu cantar do Monte Abora.
Podia reviver agora
Sua canção e sinfonia,
Esse denso deleite me teria,
Pois com longa, elevada melodia,
Eu faria aquele solar no ar,
Aquelas cavas de gelo! O solar!
Todos que ouviram os veriam lá,
E, cuidado! cuidado! a gritar
Todos. Seus olhos cintilantes
E seus cabelos flutuantes!
Três vezes tece um aro em torno dele,
E cerre a vista em sacro medo, que ele
Alimentou-se do silvestre mel
E assim bebeu o leite lá do Céu.
(Trad. José Lino Grünewald)
Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)
Em Xanadu, um palácio de prazer
Comanda-o Kubla Khan como um farol
Onde Alph, rio sagrado, vem correr
Através de cavernas sem mais ver
Ao ser humano até um mar sem sol.
Assim, milhas e milhas de bom solo,
Cerca de muro e torres polo a polo:
E lá jardins luzentes em ribeiros
Curvos e árvores com flor e incenso;
Aqui florestas velhas qual outeiros,
Estufam tons de sol em seu descenso.
Mas, oh! ideal abismo que desceu
Pela colina em cedro verdejante!
Lugar selvagem! santo e tão galante
como sob um luar minguante deu-se
A uma mulher em prantos: demoamante!
E no abismo em tumulto sem cessar,
Como se esta terra estivesse a arfar,
Uma possante fonte foi lançada,
Entre seus fortes jatos em camada
Grandes fragmentos alçam-se, granizos,
Ou áridos grãos sob o mangual com guizos;
Sempre e uma vez rochedos dançarinos
Davam-se em relance ao rio divino.
Cinco milhas em deslizar insano
Entre vales e bosques foi-se o rio
E chegou às cavernas sem feitio
E agitado entrou no vago oceano:
E nisso Kubla de longe a escutar
Vozes velhas a guerra a anunciar!
A sombra do palácio do prazer
Flutuou pelo meio das marés
Quando se ouviu a escala do envolver
Da fonte e das cavernas. E até
Era milagre de raro desvelo
Um solar de prazer, cavas de gelo!
Uma donzela com saltério
Vi certa vez como algo etéreo
Era uma virgem da Abissínia
E no saltério dela ouvia
O seu cantar do Monte Abora.
Podia reviver agora
Sua canção e sinfonia,
Esse denso deleite me teria,
Pois com longa, elevada melodia,
Eu faria aquele solar no ar,
Aquelas cavas de gelo! O solar!
Todos que ouviram os veriam lá,
E, cuidado! cuidado! a gritar
Todos. Seus olhos cintilantes
E seus cabelos flutuantes!
Três vezes tece um aro em torno dele,
E cerre a vista em sacro medo, que ele
Alimentou-se do silvestre mel
E assim bebeu o leite lá do Céu.
(Trad. José Lino Grünewald)
sexta-feira, 19 de março de 2010
quinta-feira, 18 de março de 2010
Rondel do Cupuaçu (XXVI)
Luiz Bacellar
cupuaçu
és soberano
do pomolário
americano
num cofre pardo
guardas com ciúmes
raros sabores
vivos perfumes
urna selvagem,
ubre silvestre,
moreno seio,
tanta delícia
tua curva crosta
retém no meio
cupuaçu
és soberano
do pomolário
americano
num cofre pardo
guardas com ciúmes
raros sabores
vivos perfumes
urna selvagem,
ubre silvestre,
moreno seio,
tanta delícia
tua curva crosta
retém no meio
quarta-feira, 17 de março de 2010
paixão
Zemaria Pinto
a nona sinfonia explode
tua lâmina me rompe o ventre
e faz jorrar o sangue da minha carne
plantando-me tua semente
a paixão violenta – o grito
a lágrima sufocada – ah, a alegria
língua que lambe o mundo
o beijo a dentada
contigo, eu pelo espaço:
Beethoven & boleros
sou uma égua de fogo
a nona sinfonia explode
tua lâmina me rompe o ventre
e faz jorrar o sangue da minha carne
plantando-me tua semente
a paixão violenta – o grito
a lágrima sufocada – ah, a alegria
língua que lambe o mundo
o beijo a dentada
contigo, eu pelo espaço:
Beethoven & boleros
sou uma égua de fogo
terça-feira, 16 de março de 2010
Espelho
Gracinete Felinto
Sou um ser à parte
a procura do não dito,
a busca me faz incesto
a mim mesmo.
Sou ser em toda parte
nos anúncios me aglutino,
entre o alicerce de outrora
e os anseios da vaidade.
Mas continuo a ser um ser
sem um todo,
“espelho comum”
que a alma nega.
Sou um ser à parte
a procura do não dito,
a busca me faz incesto
a mim mesmo.
Sou ser em toda parte
nos anúncios me aglutino,
entre o alicerce de outrora
e os anseios da vaidade.
Mas continuo a ser um ser
sem um todo,
“espelho comum”
que a alma nega.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Estante do tempo
Do corpo, da memória
Ernesto Penafort (1936-1992)
eis que surges, noite morta.
nem te adivinhava antes,
já vagava em outras terras,
outros mares me banhavam.
entretanto, estás
presente, suor do corpo.
rastro de quem anda,
amor de quem partiu.
eis que surges, noite morta.
mesmo adivinhar-te
era um absurdo, noite morta.
principalmente agora
que vejo luz e longe,
estás presente, suor do corpo,
memória e tatuagem,
novamente suor do corpo,
estás presente,
memória de quem anda,
suor de quem partiu.
Ernesto Penafort (1936-1992)
eis que surges, noite morta.
nem te adivinhava antes,
já vagava em outras terras,
outros mares me banhavam.
entretanto, estás
presente, suor do corpo.
rastro de quem anda,
amor de quem partiu.
eis que surges, noite morta.
mesmo adivinhar-te
era um absurdo, noite morta.
principalmente agora
que vejo luz e longe,
estás presente, suor do corpo,
memória e tatuagem,
novamente suor do corpo,
estás presente,
memória de quem anda,
suor de quem partiu.
domingo, 14 de março de 2010
Minha pátria é minha língua
Do azul, num soneto
Alphonsus de Guimaraens Filho (1918-2008)
Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
– azul de tênues bocas desoladas.
Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco, inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras – nascituro.
Não este azul mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.
Recupero-o sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.
Alphonsus de Guimaraens Filho (1918-2008)
Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
– azul de tênues bocas desoladas.
Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco, inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras – nascituro.
Não este azul mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.
Recupero-o sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.
sábado, 13 de março de 2010
Poesia em tradução
Canção
Bernart de Ventadorn (1150?-1195?)
Ao ver a ave leve mover
Alegre as alas contra a luz,
Que se olvida e deixa colher
Pela doçura que a conduz,
Ah! tão grande inveja me vem
Desses que venturosos vejo!
É maravilha que o meu ser
Não se dissolva de desejo.
Ah! tanto julgava saber
De amor e menos que supus
Sei, pois amar não me faz ter
Essa a que nunca farei jus.
A mim de mim e a si também
De mim e tudo o que desejo
Tomou e só deixou querer
Maior e um coração sobejo.
Eu renunciei a me reger
Desde o dia em que os olhos pus
No olhar que vi transparecer
No belo espelho em que reluz.
Espelho, pois que te vi bem,
Morri na luz do teu reflexo
Como, perdido de se ver,
Narciso no seu próprio amplexo.
(Trad. Augusto de Campos)
Bernart de Ventadorn (1150?-1195?)
Ao ver a ave leve mover
Alegre as alas contra a luz,
Que se olvida e deixa colher
Pela doçura que a conduz,
Ah! tão grande inveja me vem
Desses que venturosos vejo!
É maravilha que o meu ser
Não se dissolva de desejo.
Ah! tanto julgava saber
De amor e menos que supus
Sei, pois amar não me faz ter
Essa a que nunca farei jus.
A mim de mim e a si também
De mim e tudo o que desejo
Tomou e só deixou querer
Maior e um coração sobejo.
Eu renunciei a me reger
Desde o dia em que os olhos pus
No olhar que vi transparecer
No belo espelho em que reluz.
Espelho, pois que te vi bem,
Morri na luz do teu reflexo
Como, perdido de se ver,
Narciso no seu próprio amplexo.
(Trad. Augusto de Campos)
sexta-feira, 12 de março de 2010
Soneto a quatro mãos
Francisco Carvalho e Jorge Tufic
O tempo passa, o tempo nos ilude.
O tempo nos pranteia a qualquer hora
quando amanhece, quando é noite escura,
quando a taça do amor nos comemora.
O tempo, quando muito se demora
confunde as noites, rouba a juventude;
então que seja vário e sempre mude
aos sons do brinde, aos êxitos de agora.
O tempo que não vemos se renova
nos momentos diurnos ou facetos,
mas também são ardis, mutantes covos.
O tempo nos enterra numa cova
com os versos que escrevemos e os sonetos
que foram velhos e ficaram novos.
O tempo passa, o tempo nos ilude.
O tempo nos pranteia a qualquer hora
quando amanhece, quando é noite escura,
quando a taça do amor nos comemora.
O tempo, quando muito se demora
confunde as noites, rouba a juventude;
então que seja vário e sempre mude
aos sons do brinde, aos êxitos de agora.
O tempo que não vemos se renova
nos momentos diurnos ou facetos,
mas também são ardis, mutantes covos.
O tempo nos enterra numa cova
com os versos que escrevemos e os sonetos
que foram velhos e ficaram novos.
quinta-feira, 11 de março de 2010
Tristeza
Almir Diniz
Cavalgo, triste, meu corcel alado
Pelas pistas sem fim do pensamento,
De rédea solta, solto meu lamento,
Meu protesto de lágrimas molhado.
Galopando sem rumo, e magoado,
Carpindo no selim meu sofrimento,
Chego a pensar que todo este tormento
É mero sonho, e sonho malfadado...
Mas, se passo trotando contra o vento
E ouço um tropel alegre pelo prado,
Aperto o arreio... sem... eis-me acordado!
Aí, sim, sofro a dor que me vai dentro,
Essa dor que mais dói, sem ferimento,
Que as feridas de todo o meu passado!
Cavalgo, triste, meu corcel alado
Pelas pistas sem fim do pensamento,
De rédea solta, solto meu lamento,
Meu protesto de lágrimas molhado.
Galopando sem rumo, e magoado,
Carpindo no selim meu sofrimento,
Chego a pensar que todo este tormento
É mero sonho, e sonho malfadado...
Mas, se passo trotando contra o vento
E ouço um tropel alegre pelo prado,
Aperto o arreio... sem... eis-me acordado!
Aí, sim, sofro a dor que me vai dentro,
Essa dor que mais dói, sem ferimento,
Que as feridas de todo o meu passado!
quarta-feira, 10 de março de 2010
exercício nº 2
Zemaria Pinto
(as ásperas palavras que te disse
naquela madrugada de setembro
retornam feito facas em meu peito
forjadas pela têmpera do tempo)
a noite agônica se plasma lenta
sobre os escombros da cidade cinza,
dispondo sombras que, multiplicadas,
deslizam livres aos desvãos da vida
ao eco dos silêncios vem juntar-se
a frágil consciência da distância:
menos que pena, dor dilacerada
meus olhos lúcidos deliram sonhos
por sob as tardas horas que traduzem
ausência, perda, solidão e nada
(as ásperas palavras que te disse
naquela madrugada de setembro
retornam feito facas em meu peito
forjadas pela têmpera do tempo)
a noite agônica se plasma lenta
sobre os escombros da cidade cinza,
dispondo sombras que, multiplicadas,
deslizam livres aos desvãos da vida
ao eco dos silêncios vem juntar-se
a frágil consciência da distância:
menos que pena, dor dilacerada
meus olhos lúcidos deliram sonhos
por sob as tardas horas que traduzem
ausência, perda, solidão e nada
terça-feira, 9 de março de 2010
Igual às rosas
Rayder Coelho
(em homenagem ao dia internacional da mulher)
Teu amanhecer é orvalhado de ternura
e com toda a doçura que preparas o café
despertarás sonhos no mais incauto ser
Dos dias que nascem de ti
pedem um poema.
Dos que habitam em teu jardim
igual às rosas, arcanjos e serafins, esperam de ti
força para triunfar e adornar os caminhos.
Das tardes que descansam em ti
pedem um poema.
Tua força vem em se compadecer dos fracos
e erguendo os braços em um gesto sagrado
como quem protege seu legado
dos que te amam e adormecem em ti
pedem um poema.
Pede um poema a força com que vences
o amor que te envolve e transcende.
O milagre de uma rosa
como um poema ou prosa
que a mais bela flor irá eternizar.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Estante do tempo
Três garças... três graças...
Barreto Sobrinho (1891-1934?)
Dentro da floresta amazônica, disforme,
há um grande lago, um lago enorme,
que vive a espelhar na face sua
de dia o sol, de noite a lua...
Em torno ao lago
o vasto capinzal verdeja.
E sob o afago
de mil aves
de cantos estridentes ou suaves,
alveja
uma trilogia de garças brancas
que naquelas paragens francas
ficaram perdidas
qual três visões esquecidas...
Aquele grupo lindo
de três garças,
faz-me pensar que fugiram do Pindo
as três graças...
E ali naquela imensidade
de água e floresta
elas estão simbolizando a saudade
na expressão de sua alvura modesta...
E o lago também ali perdido,
ignorado,
dá-me a idéia de um mundo encantado
transformado no líquido polido...
Esta minha impressão (eu bem recordo)
tive-a ao passar por ali, a bordo.
O rio se estirava interminável!
A floresta aumentava formidável!
Foi quando eu vi as três garças solitárias
naquelas paragens milenárias
de sugestões e de belezas raras,
de lendas, de bruxedos e de Iaras!
Mas as três garças brancas pareciam
três almas penadas
que aos viandantes pediam
que fizessem
com que elas fossem desencantadas...
Mas o navio passou
e a trilogia das garças ali ficou!
Barreto Sobrinho (1891-1934?)
Dentro da floresta amazônica, disforme,
há um grande lago, um lago enorme,
que vive a espelhar na face sua
de dia o sol, de noite a lua...
Em torno ao lago
o vasto capinzal verdeja.
E sob o afago
de mil aves
de cantos estridentes ou suaves,
alveja
uma trilogia de garças brancas
que naquelas paragens francas
ficaram perdidas
qual três visões esquecidas...
Aquele grupo lindo
de três garças,
faz-me pensar que fugiram do Pindo
as três graças...
E ali naquela imensidade
de água e floresta
elas estão simbolizando a saudade
na expressão de sua alvura modesta...
E o lago também ali perdido,
ignorado,
dá-me a idéia de um mundo encantado
transformado no líquido polido...
Esta minha impressão (eu bem recordo)
tive-a ao passar por ali, a bordo.
O rio se estirava interminável!
A floresta aumentava formidável!
Foi quando eu vi as três garças solitárias
naquelas paragens milenárias
de sugestões e de belezas raras,
de lendas, de bruxedos e de Iaras!
Mas as três garças brancas pareciam
três almas penadas
que aos viandantes pediam
que fizessem
com que elas fossem desencantadas...
Mas o navio passou
e a trilogia das garças ali ficou!
domingo, 7 de março de 2010
Minha pátria é minha língua
O julgamento de Frineia
Olavo Bilac (1865-1918)
Mnezarete, a divina, a pálida Frineia,
Comparece ante a austera e rígida assembleia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxiteles,
De Hipérides à voz e à palheta de Apeles.
Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.
Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis…
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo…
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, – e a seus pés roja-se humilde Atenas…
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça.
Cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa…
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:
“Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! é má!” (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
“Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!”
Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma…
Mas, de pronto, entre a turba Hipérides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige… O Areópago não cede.
“Pois condenai-a agora!” E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca…
Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
– Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frineia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza.
Olavo Bilac (1865-1918)
Mnezarete, a divina, a pálida Frineia,
Comparece ante a austera e rígida assembleia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxiteles,
De Hipérides à voz e à palheta de Apeles.
Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.
Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis…
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo…
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, – e a seus pés roja-se humilde Atenas…
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça.
Cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa…
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:
“Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! é má!” (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
“Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!”
Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma…
Mas, de pronto, entre a turba Hipérides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige… O Areópago não cede.
“Pois condenai-a agora!” E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca…
Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
– Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frineia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza.
sábado, 6 de março de 2010
Poesia em tradução
O prazer do difícil
William Butler Yeats (1865-1939)
O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos me levem
As peças de sucesso que se escrevem
Com cinquenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente.
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.
(Trad. Augusto de Campos)
William Butler Yeats (1865-1939)
O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos me levem
As peças de sucesso que se escrevem
Com cinquenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente.
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.
(Trad. Augusto de Campos)
sexta-feira, 5 de março de 2010
Única
Marcelo Salgado
Morena leonina da pele branca
Juba tão negra, tão longa, tão lisa
Teu olhar mestiço marcante me avisa:
“Sou muito mulher; sou fogo, sou franca””
Morena branca da pele leonina
Sempre que amarra essa negra cortina,
Os braços na altura do nariz fino,
Percebo de novo porque me fascino
Por essa mulher de quem quente emana
Simples sorriso de amazona urbana:
Revela, elegante, teus mais de vinte
Mistérios fartos, felino requinte
E segundo seguinte segue adiante
Qual leoa que és: exuberante.
Morena leonina da pele branca
Juba tão negra, tão longa, tão lisa
Teu olhar mestiço marcante me avisa:
“Sou muito mulher; sou fogo, sou franca””
Morena branca da pele leonina
Sempre que amarra essa negra cortina,
Os braços na altura do nariz fino,
Percebo de novo porque me fascino
Por essa mulher de quem quente emana
Simples sorriso de amazona urbana:
Revela, elegante, teus mais de vinte
Mistérios fartos, felino requinte
E segundo seguinte segue adiante
Qual leoa que és: exuberante.
quinta-feira, 4 de março de 2010
Carta Lunar – Adágio (XX)
Luiz Bacellar
O meu verso é um fragor: desmoronar-
me sinto quando escrevo. E o ruído é tanto
que vou com passo incerto no meu canto
como se caminhasse à beira-mar
num dia de ressaca sob um luar
como o de agora (a Via Láctea é um manto
salpicado de sal, de prata e pranto)
em que as horas se esquecem de passar.
Meu verso é um natural correr de pena
que rasga, que destrói, mutila e mata
minhalma que é de espuma e de verbena:
é um vestido deixado sobre a cama,
vazio de um corpo amado. E me arrebata
no vácuo intenso do meu próprio drama.
O meu verso é um fragor: desmoronar-
me sinto quando escrevo. E o ruído é tanto
que vou com passo incerto no meu canto
como se caminhasse à beira-mar
num dia de ressaca sob um luar
como o de agora (a Via Láctea é um manto
salpicado de sal, de prata e pranto)
em que as horas se esquecem de passar.
Meu verso é um natural correr de pena
que rasga, que destrói, mutila e mata
minhalma que é de espuma e de verbena:
é um vestido deixado sobre a cama,
vazio de um corpo amado. E me arrebata
no vácuo intenso do meu próprio drama.
quarta-feira, 3 de março de 2010
poema inconcluso
Zemaria Pinto
uma estrela de gás refinado
rasgou o céu sobre o Negro
quando você disse sim
um turbilhão de ânsias
coração a coração – invadiu-nos
e a linguagem dos corpos negava
tuas palavras negando o que teu corpo
todo teu corpo – gritava
(conosco
a anatomia ficou louca)
e eu atirei-me ao precipício
antes mesmo de alcançá-lo
como temesse perdê-lo:
não havia espaço para o voo.
mas haveria um poema a ser escrito
– o mergulhar no desconhecido
o flutuar na escuridão
o deixar-se levar pela paixão
sendo ave, homem e deus alguns segundos
esse poema
eu o escreverei
no teu corpo!
uma estrela de gás refinado
rasgou o céu sobre o Negro
quando você disse sim
um turbilhão de ânsias
coração a coração – invadiu-nos
e a linguagem dos corpos negava
tuas palavras negando o que teu corpo
todo teu corpo – gritava
(conosco
a anatomia ficou louca)
e eu atirei-me ao precipício
antes mesmo de alcançá-lo
como temesse perdê-lo:
não havia espaço para o voo.
mas haveria um poema a ser escrito
– o mergulhar no desconhecido
o flutuar na escuridão
o deixar-se levar pela paixão
sendo ave, homem e deus alguns segundos
esse poema
eu o escreverei
no teu corpo!
terça-feira, 2 de março de 2010
exercício interrompido
Clara Nihil
seis anjos pairam sobre a navenoite
seus corpos transparentes de onde brota
o sangue dos cordeiros irredentos
e um cântico de lobos transtornados
os anjos são destroços dos vencidos
que não tiveram tempo de lutar
são sombras refletidas pensamento
vão turva criação de mentes vis
segunda-feira, 1 de março de 2010
Estante do tempo
O Uirapuru
J. Ferreira Sobrinho (1888-?)
No Acre. Pleno verão. Deslumbrante arrebol
inundava de luz a majestosa mata,
quando, a viajar, ouvi, do maestro de escol,
a voz, que nos fascina, entusiasma e arrebata.
No alto de um buriti, bebendo a luz do sol,
ele o canto habitual, primoroso, desata...
Rodeiam-no, da selva em multicromo rol,
boêmios e menestréis, voejando, espata a espata,
em coro... E mais e mais se inflama a rude avena,
afeita a preludiar, por invernos e estios...
Tão soberba magia a ave ao concerto empresta,
que se tem a impressão de que, assim, tão pequena,
tem, no peito, o rumor de cascatas e rios
e a harmonia pagã de suntuosa floresta.
J. Ferreira Sobrinho (1888-?)
Para Olegário Mariano
No Acre. Pleno verão. Deslumbrante arrebol
inundava de luz a majestosa mata,
quando, a viajar, ouvi, do maestro de escol,
a voz, que nos fascina, entusiasma e arrebata.
No alto de um buriti, bebendo a luz do sol,
ele o canto habitual, primoroso, desata...
Rodeiam-no, da selva em multicromo rol,
boêmios e menestréis, voejando, espata a espata,
em coro... E mais e mais se inflama a rude avena,
afeita a preludiar, por invernos e estios...
Tão soberba magia a ave ao concerto empresta,
que se tem a impressão de que, assim, tão pequena,
tem, no peito, o rumor de cascatas e rios
e a harmonia pagã de suntuosa floresta.
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