Missa Negra
José Juan Tablada (1871-1945)
Noite de sábado! Calada
está a terra e negro o céu,
palpita em minha alma uma balada
de doloroso ritornelo.
O coração sangra ferido
pelo cilício das tristezas
e corre o chumbo derretido
da neurose em minhas veias.
Amada, vem! Dá a meu rosto
o edredom do teu regaço
e a minha loucura, docemente,
leva à prisão do teu abraço.
Noite de sábado! Em tua alcova
paira um perfume de incensário
o ouro brilha e a caoba
tem penumbras de santuário.
E além, no leito onde repousa
teu corpo branco, reverbera
como custódia esplendorosa
tua desfeita cabeleira.
Toma o aspecto triste e frio
da enlutada religiosa
e com o traje mais sombrio
veste tua carne voluptuosa.
Com o murmurinho das preces
quero a voz da tua ternura,
e com o óleo dos meus beijos
ungir de Deusa tua beleza.
Quero trocar o beijo ardente
dos meus versos de outros dias
pelo incenso reverente
das sonoras litanias.
Quero nos degraus de teu leito
dobrar tremendo o joelho...
fazer de altar o teu peito
e de tua alcova a capela.
E celebrar febril e mudo
sobre teu corpo sedutor
pleno de essências e desnudo
a Missa Negra do meu amor!
(Trad. Zemaria Pinto)