Os deuses
Julio Cortázar (1914-1984)
Os deuses caminham entre coisas pisoteadas, segurando
as pontas dos seus mantos com gesto de asco.
Entre gatos podres, entre larvas abertas e acordeões,
sentindo nas sandálias a umidade dos farrapos corrompidos,
os vômitos do tempo.
Em seu céu despido já não moram, lançados
fora de si por uma dor, um sonho turvo,
estão feridos de pesadelo e lama, parando
para recontar seus mortos, as nuvens ao contrário,
os cães de língua quebrada,
a espreitar invejosos o abismo
onde ratos eretos disputam chiando
pedaços de bandeiras.
(Trad. Ari Roitman e Paulina Watch)