Amigos do Fingidor

domingo, 22 de março de 2009

Minha pátria é minha língua

Lira I
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)
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Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores, que habitam este monte,
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
teu lindo corpo bálsamo vapora.
Ah! não, não fez o Céu, gentil pastora,
para glória de amor igual tesouro!
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Leve-me sementeira muito embora
o rio, sobre os campos levantado;
acabe, acabe a peste matadora,
sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso
nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
para viver feliz, Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um riso.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Irás a divertir-te na floresta,
sustentada, Marília, no teu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
toucarei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!

Depois que nos ferir a mão da morte,
ou seja neste, ou noutra serra,
nos corpos terão, terão a sorte
de consumir os dous a mesma terra.
Na campa, rodeada de chiprestes,
lerão estas palavras os pastores:
“Quem quiser ser feliz nos seus amores,
siga os exemplos, que nos deram estes”.
       Graças, Marília bela,
       graças à minha estrela!