Amigos do Fingidor

quinta-feira, 5 de março de 2009

A noite dos magos

Cláudio Fonseca

                                                      

Para Luiz Bacellar

 

Ele sentava ali,

na eternidade.

Não mais que um porão cheio de ratos,

atlas, adagas, moedas antigas,

bengalas, gravuras, discos, relíquias...

 

Livros e livros.

Obras de arte,

recortes, aranhas, ...monte de trastes.

 

Ele ali –

...na eternidade.

 

Eu, escondido, na madrugada,

à hora em que a sala se transmutava.

 

Primeiro – acordes na flauta de Pã.

E entrava, alegre,

uma rã.

 

À mesa enorme, arturiana,

chegavam secretos, senhores, damas...

A luz vinha em tochas, em vidros azuis.

Dentro, profano – um luar cigano,

um cego chorava e cantava blues.

 

Depois, entre si trocavam grinaldas

de cobras, com escamas de esmeraldas.

 

Seus rostos e nomes mudavam constante.

Iam à estante, sumiam em livros.

Outros, medonhos, migravam em mitos.

 

Velhas estátuas tomavam vida

e voltavam em busca da forma antiga.

Cada relíquia que era tocada

gritava em dor. Pela escada

desciam, subiam, e sumiam fadas.

 

As velhas paredes viravam planos

de outras visões e arcanos.

 

Viam-se torres. Em suas janelas

passava cortejo e uma donzela.

Sóis penetravam, lentos, nos rios,

deixando fagulhas de ouros frios.

Vi caravanas em dunas gigantes.

Tribos Masais logo adiante.

Celtas forjando bronzes e lendas.

Keats passando... todo poemas.

 

(Um dia, na sala, quase alvorada,

um galeão espanhol saiu das águas.)

 

Os magos, sinceros em seus ofícios,

brindavam às vezes, com o suicídio –  

quando perdiam o fervor à Arte

ardiam em piras – círios de mártires!

(Suas origens teriam sido

de linhas puras

de infinito.)

 

Eu ansiava, noites e dias,

ser o jogral dessa confraria.

Lorca, Pessoa, Rilke... enfim,

que um dia tocassem meu pobre Mim.