The hammock.
Amigos do Fingidor
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Canção dos passarinhos
Elson Farias
Para compor minha música
aprendi tocar nos ares
instrumentos de capim,
poucos me ouviram o som,
só os minúsculos seres
moradores do jardim.
Até o vento chegar
com seu gênio de menino
e remexer no meu canto,
saí brincando de dor
mais leve dos meus pecados,
menos molhado de pranto.
Saí, enfim, caminhando
no compasso da canção
tecida de sol e chuva,
guardada dentro do peito,
flor de mato transformada
num ramo de amor perfeito.
Para compor minha música
aprendi tocar nos ares
instrumentos de capim,
poucos me ouviram o som,
só os minúsculos seres
moradores do jardim.
Até o vento chegar
com seu gênio de menino
e remexer no meu canto,
saí brincando de dor
mais leve dos meus pecados,
menos molhado de pranto.
Saí, enfim, caminhando
no compasso da canção
tecida de sol e chuva,
guardada dentro do peito,
flor de mato transformada
num ramo de amor perfeito.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
poema da amiga
Zemaria Pinto
queria esquecer o homem
o planeta
a fome
o nome de tudo quanto existe
além de ti
queria te botar na palma da mão direita
e com tua língua vermelha
escrever um poema
de amor
queria ser poeta de flores
barquinhos
cores
pra te enfeitar de princesa
em cantigas de ninar
queria te fazer versos doces
sem dor
sem espadas atravessando corações
não tomar conhecimento do sangue derramado
e ao pintar teu retrato
fazer brotar uma flor verde
da tua cabeça
porque eu sou um cara complicado
eu sei
mas sei que você me entende
que me basta olhar teus olhos
teus olhos tristes que sorriem
quando me vês
queria escrever um poema no teu peito
sentir teus seios pulsarem
tatuados
como os marinheiros e as prostitutas
do cais
da vida
queria te dizer das jornadas que vivi
dos crimes que cometi
dos perigos que enfrentei
queria no silêncio à madrugada
teu gemido
tuas mãos nos meus cabelos
queria adormecer no teu colo
e sonhar
sonhar
sonhar que eu era um pop-star
(1974)
queria esquecer o homem
o planeta
a fome
o nome de tudo quanto existe
além de ti
queria te botar na palma da mão direita
e com tua língua vermelha
escrever um poema
de amor
queria ser poeta de flores
barquinhos
cores
pra te enfeitar de princesa
em cantigas de ninar
queria te fazer versos doces
sem dor
sem espadas atravessando corações
não tomar conhecimento do sangue derramado
e ao pintar teu retrato
fazer brotar uma flor verde
da tua cabeça
porque eu sou um cara complicado
eu sei
mas sei que você me entende
que me basta olhar teus olhos
teus olhos tristes que sorriem
quando me vês
queria escrever um poema no teu peito
sentir teus seios pulsarem
tatuados
como os marinheiros e as prostitutas
do cais
da vida
queria te dizer das jornadas que vivi
dos crimes que cometi
dos perigos que enfrentei
queria no silêncio à madrugada
teu gemido
tuas mãos nos meus cabelos
queria adormecer no teu colo
e sonhar
sonhar
sonhar que eu era um pop-star
(1974)
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Sim... (58)
Junior Rodrigues
Me vi
Em preto-e-branco
A ermo
Em um quarto
Num canto
Com muitos cantos
Todos prantos
E quantos
Eu era
Branco
Vazio
Sem paredes
Estreito
Sem tetos
Eu era
Preto
Me vi
Em preto-e-branco
A ermo
Em um quarto
Num canto
Com muitos cantos
Todos prantos
E quantos
Eu era
Branco
Vazio
Sem paredes
Estreito
Sem tetos
Eu era
Preto
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Estante do tempo
Soneto
Tenreiro Aranha (1769-1811)
Enquanto o mole Siberita treme
Da desgraça co’o simples pensamento,
O Varão forte, sem perder o alento,
De arrostar-se com ela não, não teme:
Entre cadeas e grilhões não geme;
Mas armado de heróico sofrimento,
Livre a alma, conserva o peito isento
Na fornalha, no potro, e na trirreme.
Tal Eugênio presado, tu, que unindo
Com a sã Filosofia a Cristandade,
Dos jogos da fortuna te estás rindo.
E das fezes da negra adversidade,
Qual provido Mineiro, coligindo
Ricas virtudes, sólida piedade.
Tenreiro Aranha (1769-1811)
Ao Sr. José Eugênio de Aragão e Lima, professor de Filosofia,
amigo do Autor, quando ele foi perseguido, preso e desterrado
Enquanto o mole Siberita treme
Da desgraça co’o simples pensamento,
O Varão forte, sem perder o alento,
De arrostar-se com ela não, não teme:
Entre cadeas e grilhões não geme;
Mas armado de heróico sofrimento,
Livre a alma, conserva o peito isento
Na fornalha, no potro, e na trirreme.
Tal Eugênio presado, tu, que unindo
Com a sã Filosofia a Cristandade,
Dos jogos da fortuna te estás rindo.
E das fezes da negra adversidade,
Qual provido Mineiro, coligindo
Ricas virtudes, sólida piedade.
domingo, 26 de setembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Fuga
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)
Aos ventos espalhei a cinza dos meus gestos.
Num desprezo de mim, fiz-me poeta,
traí os meus sonhos, enchendo vãos papéis
de traços sem sentido e talvez falsos.
Fui poeta como alguns se suicidam,
como outros partem sem destino certo.
Sonhei-me longe de tudo o que possuo
– longe de mim, longe de quem? –
afastado, sem contas a prestar...
Foi longo o meu engano. Agora vejo
que nunca de mim eu me afastei...
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)
Aos ventos espalhei a cinza dos meus gestos.
Num desprezo de mim, fiz-me poeta,
traí os meus sonhos, enchendo vãos papéis
de traços sem sentido e talvez falsos.
Fui poeta como alguns se suicidam,
como outros partem sem destino certo.
Sonhei-me longe de tudo o que possuo
– longe de mim, longe de quem? –
afastado, sem contas a prestar...
Foi longo o meu engano. Agora vejo
que nunca de mim eu me afastei...
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sábado, 25 de setembro de 2010
Poesia em tradução
Dentro em mim solidão levo
Manuel Altolaguirre (1905-1959)
Dentro em mim solidão levo,
Torre de cegas janelas.
Quando meus braços estendo
Abro-lhe as portas de entrada,
Abro caminho alfombrado
A quem quiser visitá-la.
Lembrança pintou os quadros
Que ornamentam suas salas,
Onde alegrias passadas
Com penas de hoje contrastam
Quão juntos ambos estávamos
Quem era o corpo? Quem é
A alma? Que morte amarga
Foi nosso adeus derradeiro!
Agora dentro em mim levo
Alta solidão delgada.
(Trad. Mario Faustino)
Manuel Altolaguirre (1905-1959)
Dentro em mim solidão levo,
Torre de cegas janelas.
Quando meus braços estendo
Abro-lhe as portas de entrada,
Abro caminho alfombrado
A quem quiser visitá-la.
Lembrança pintou os quadros
Que ornamentam suas salas,
Onde alegrias passadas
Com penas de hoje contrastam
Quão juntos ambos estávamos
Quem era o corpo? Quem é
A alma? Que morte amarga
Foi nosso adeus derradeiro!
Agora dentro em mim levo
Alta solidão delgada.
(Trad. Mario Faustino)
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Poesia no porta-retratos
Antonio Miranda
Para Anderson Braga Horta I
Sempre
quase sempre
(nem sempre...)
eu me vejo ridículo
escrevendo poemas.
Mais ridículo ainda
lendo-os, relendo-os
infinitamente.
A poesia tornou-se um exercício
maneirista, narcisista, preciosista
masoquista e, para quebrar a rima
um precipício
um verdadeiro estropício
um hospício a céu aberto.
Uma espécie de autoflagelação
ou de endeusamento
sem qualquer encantamento
ou absolvição: a negação da negação.
II
Ferreira Gullar, por exemplo
colocou o poema no liquidificador
na sua Luta Corporal.
Tristan Tzara, o dadaísta
usou a tesoura porque não havia
a máquina picotadora
e saiu fazendo colagem de letras
em arquiteturas indecifráveis.
Mallarmé lançou seus dados ao azar
E. E. Cummings construiu edifícios verbais
e Sousândrade violentou a gramática
enquanto Bilac cinzelava versos
e J. G. de Araújo Jorge acaramelava
os amores imaginários.
Antes, Bécquer elevava-os em seu andores.
Mais perto de nós, Nikolas von Behr
ventríloquo pelo umbigo
faz discurso libertário
rebeldia em verso livre, e de livro.
Tem ainda a iconoclastia de Leminski
a hipocondria de Manuel Bandeira
e a ecclesia dos irmão Campos
com o concretista Pignatari
na tradição do novo
na renovação.
Tradição do novo é conceito sartreano.
Bem podia ser pernambucano!
III
Eu me reconheço
medíocre
e apelo para as musas defuntas
ou aposentadas.
A poesia é um caminho viciado
ou é inovação e criação
(nunca inspiração)
e o poeta queima as próprias roupas
incinera as vãs convicções, crenças
deserta do mundo e suas ideologias
e destrói a própria torre de marfim
seu último refúgio.
E não sabe o que fazer
com a própria liberdade.
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Sexta-feira
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Tríptico do espanto
Alencar e Silva
I
Tudo traz sob a pele a sua morte:
a rosa e o sonho dançam sobre o abismo
as formas de uma só fatalidade
trabalhada em equívocos. Sereno,
contudo, é o meu semblante: este e o mesmo
que passeio entre as gentes. A amargura
é disposta em murais pelas paredes
do eu profundo – e me espia. Duro é vê-la
contemplando os meus gestos: de seus olhos
flui um rio de sono, um rio sem barcos,
onde bóia meu rosto repartido
em cartazes de espanto... Chove cinzas
sobre as asas de uma ave: e o canto, ausente,
talvez mudo se cumpra eternamente.
II
Amargar o teu peso e nunca mais
o sorriso que vem de não saber-te,
de ignorar teu mistério, de sentir-te
no que apenas supomos e não és.
Ah! o riso não cabe – e é vão o gesto
para colher o sonho decepado:
a mão ergue-se fria contra o vácuo
onde as sombras tropeçam seus enganos.
Nunca mais – e nos olhos e nas mãos
uma calma de angústias concentradas
ante barcos inúteis que se vão
sobre as águas do Letes... Resta apenas
a invenção de outros mitos: como um fruto
que um dia secará sobre um chão bruto.
III
Um rio corre surdo sob as horas
com seu lastro de cinzas e agonias.
Pesa-lhe sobre o curso um astro doido
que governa suicídios e naufrágios.
Uma lua também, por noite funda,
pende a face amarela sobre as águas
onde boiam pesados de silêncio
restos do que já foi – coisas que dormem
ou só derivam na corrente muda
seus corpos, ora belos, ora corpos
de mágoa e medo – sombras penduradas
em vértices de espantos... Nada conta
nesse rio que rola irreversível
carregado de sonho e de impossível.
I
Tudo traz sob a pele a sua morte:
a rosa e o sonho dançam sobre o abismo
as formas de uma só fatalidade
trabalhada em equívocos. Sereno,
contudo, é o meu semblante: este e o mesmo
que passeio entre as gentes. A amargura
é disposta em murais pelas paredes
do eu profundo – e me espia. Duro é vê-la
contemplando os meus gestos: de seus olhos
flui um rio de sono, um rio sem barcos,
onde bóia meu rosto repartido
em cartazes de espanto... Chove cinzas
sobre as asas de uma ave: e o canto, ausente,
talvez mudo se cumpra eternamente.
II
Amargar o teu peso e nunca mais
o sorriso que vem de não saber-te,
de ignorar teu mistério, de sentir-te
no que apenas supomos e não és.
Ah! o riso não cabe – e é vão o gesto
para colher o sonho decepado:
a mão ergue-se fria contra o vácuo
onde as sombras tropeçam seus enganos.
Nunca mais – e nos olhos e nas mãos
uma calma de angústias concentradas
ante barcos inúteis que se vão
sobre as águas do Letes... Resta apenas
a invenção de outros mitos: como um fruto
que um dia secará sobre um chão bruto.
III
Um rio corre surdo sob as horas
com seu lastro de cinzas e agonias.
Pesa-lhe sobre o curso um astro doido
que governa suicídios e naufrágios.
Uma lua também, por noite funda,
pende a face amarela sobre as águas
onde boiam pesados de silêncio
restos do que já foi – coisas que dormem
ou só derivam na corrente muda
seus corpos, ora belos, ora corpos
de mágoa e medo – sombras penduradas
em vértices de espantos... Nada conta
nesse rio que rola irreversível
carregado de sonho e de impossível.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Dabacuri – amazônica 22
Zemaria Pinto
ao redor do barco,
o espetáculo dos botos
– tempo de fartura
decifrando códigos
o barco atravessa a tarde
na pele do tempo
ao redor do barco,
o espetáculo dos botos
– tempo de fartura
decifrando códigos
o barco atravessa a tarde
na pele do tempo
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Mecânica sistemática
Darlene Fernandes
Fácil é transar
entre
quatro paredes
com a porta
fechada.
Difícil é o
abrir dessa
porta...
Fácil é transar
entre
quatro paredes
com a porta
fechada.
Difícil é o
abrir dessa
porta...
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Estante do tempo
Da dor maior
Ernesto Penafort (1936-1992)
líquida é esta noite
em que te encontras distante.
líquida, também,
é esta vontade minha
de te ter nos braços
e amar com toda a força
da minha existência de homem.
belo seria
o momento em que pudesse
de um só golpe sorver-te
mesmo através dos poros
deste corpo que pulsa por ti.
o cântico dos cânticos
não é mais belo do que tu.
e cantar-te, nesta hora,
é para mim o privilégio
que dilata meu coração,
que pulsa por tua vontade,
líquida é esta noite
em que também me umedeço,
orvalhecendo-me por ti,
como se fosse o produto
de um céu sem deuses,
como se fosse o único astro
de um firmamento fechado.
Ernesto Penafort (1936-1992)
líquida é esta noite
em que te encontras distante.
líquida, também,
é esta vontade minha
de te ter nos braços
e amar com toda a força
da minha existência de homem.
belo seria
o momento em que pudesse
de um só golpe sorver-te
mesmo através dos poros
deste corpo que pulsa por ti.
o cântico dos cânticos
não é mais belo do que tu.
e cantar-te, nesta hora,
é para mim o privilégio
que dilata meu coração,
que pulsa por tua vontade,
líquida é esta noite
em que também me umedeço,
orvalhecendo-me por ti,
como se fosse o produto
de um céu sem deuses,
como se fosse o único astro
de um firmamento fechado.
domingo, 19 de setembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Regina Martyrum
Álvaro Moreyra (1888-1964)
Nossa Senhora da Saudade! um dia,
juntei as mãos, nostálgico, invocando
tua alada presença... Nos céus, ia
o enterro do Crepúsculo passando...
E entre os verdes do Longe, aparecia,
tisicamente, a Lua Nova, quando,
toda de Roxo, a andar, pela elegia
da Hora bruna, surgiste, me acenando...
E desde então ficaste em meio às trevas
dessa existência obscura... Para o Extinto,
ao que gozei, piedosa tu me levas...
E, hoje, sou como um Bêbado que escombra
a Vida real, e assiste, à luz do Absinto,
às transfigurações da própria Sombra!...
Álvaro Moreyra (1888-1964)
Nossa Senhora da Saudade! um dia,
juntei as mãos, nostálgico, invocando
tua alada presença... Nos céus, ia
o enterro do Crepúsculo passando...
E entre os verdes do Longe, aparecia,
tisicamente, a Lua Nova, quando,
toda de Roxo, a andar, pela elegia
da Hora bruna, surgiste, me acenando...
E desde então ficaste em meio às trevas
dessa existência obscura... Para o Extinto,
ao que gozei, piedosa tu me levas...
E, hoje, sou como um Bêbado que escombra
a Vida real, e assiste, à luz do Absinto,
às transfigurações da própria Sombra!...
sábado, 18 de setembro de 2010
Poesia em tradução
Que falta faz?
Siegfried Sassoon (1886-1963)
Que falta faz? – teres perdido as pernas?...
Todos te irão tratar com simpatia
E não deves mostrar que te angustia
Sentir que os outros correm disputando
Seus lugares à mesa das tabernas.
Que falta faz? – teres perdido a vista?...
Aos cegos há trabalho assegurado
E todos vão tratar-se com cuidado
Quando virem teu rosto que relembra
Voltado para a luz que não avista.
Que falta faz? – teres sonhado em vão?...
Podes beber: esquece e alegra um pouco;
Ninguém há de pensar que estejas louco,
Pois sabem que lutaste pela pátria
E por isso jamais te afligirão.
(Trad. Ivo Barroso)
Siegfried Sassoon (1886-1963)
Que falta faz? – teres perdido as pernas?...
Todos te irão tratar com simpatia
E não deves mostrar que te angustia
Sentir que os outros correm disputando
Seus lugares à mesa das tabernas.
Que falta faz? – teres perdido a vista?...
Aos cegos há trabalho assegurado
E todos vão tratar-se com cuidado
Quando virem teu rosto que relembra
Voltado para a luz que não avista.
Que falta faz? – teres sonhado em vão?...
Podes beber: esquece e alegra um pouco;
Ninguém há de pensar que estejas louco,
Pois sabem que lutaste pela pátria
E por isso jamais te afligirão.
(Trad. Ivo Barroso)
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
No escuro. No silêncio.
João Maimona
dobrei os arcos de papel
debaixo
do tecido de areia.
no escuro, no silêncio
por habitar
venci as lágrimas.
nas estrelas ou nas cortinas
ou nos plátanos
mastiguei os sonhos.
e vi os sonhos
se diluírem entre as árvores
no rosto do asfalto esquecido.
no escuro, no silêncio.
dobrei os arcos de papel
debaixo
do tecido de areia.
no escuro, no silêncio
por habitar
venci as lágrimas.
nas estrelas ou nas cortinas
ou nos plátanos
mastiguei os sonhos.
e vi os sonhos
se diluírem entre as árvores
no rosto do asfalto esquecido.
no escuro, no silêncio.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
A arte de trair o amor mais bonito
Regina Melo
Lágrimas sobre o teu olhar
Cogumelos dançam
Nas madrugadas.
A mente brinca
com margaridas.
E o nobre cravo
embriaga-se de prazer
ao ver andorinhas
devorarem o girassol
coberto de uvas.
Arregaçadas
as flores despem-se ao vento.
Caminham pela imensidão
do tempo
levadas pela correnteza
do lago azul.
Apagado ficou o sol
nesse instante,
ao saber-se vivo
sem o vale pleno de flores...
Perdão,
amor,
se o meu gesto te trair no espelho!
Lágrimas sobre o teu olhar
Cogumelos dançam
Nas madrugadas.
A mente brinca
com margaridas.
E o nobre cravo
embriaga-se de prazer
ao ver andorinhas
devorarem o girassol
coberto de uvas.
Arregaçadas
as flores despem-se ao vento.
Caminham pela imensidão
do tempo
levadas pela correnteza
do lago azul.
Apagado ficou o sol
nesse instante,
ao saber-se vivo
sem o vale pleno de flores...
Perdão,
amor,
se o meu gesto te trair no espelho!
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
exercício nº 15
Zemaria Pinto
no meio da escritura do poema
me vi perdido numa selva escura
por entre feras que desconhecia
talvez espectros de uma outra lida
em vão buscava no negrume denso
alguma luz de algum outro caminho
um veio, uma vereda, escassa trilha
que me levasse para além do transe
transida de silêncio, uma pantera
vibrando fogo de impossíveis fauces
sobre meu dorso deita o peso eterno
do medo renovado a cada instante
as garras invisíveis me violavam
dilacerando a pele da memória
terça-feira, 14 de setembro de 2010
dois poemas
Cynthia Teixeira
(filha minha)
o sopro
do que serias
abraçou-me
toda
e amei
arrepio e febre
o cálcio fraco
de tua sobra
voadora
– síntese de mim
neste mundo –
brisa-silêncio
para sempre.
(filho meu)
construí um castelo.
diante dele, árvores.
fundos, pomar.
no lado direito criarei bois.
no esquerdo, galinhas.
e tu entre bois e galinhas.
mas preferes morada em mim.
dentro, olhar dormido ante o rio.
as galinhas, tadinhas, voaram.
os bois se foram sem capim.
o pomar é uma melancolia só.
e o castelo some feito reles rascunho.
(filha minha)
o sopro
do que serias
abraçou-me
toda
e amei
arrepio e febre
o cálcio fraco
de tua sobra
voadora
– síntese de mim
neste mundo –
brisa-silêncio
para sempre.
(filho meu)
construí um castelo.
diante dele, árvores.
fundos, pomar.
no lado direito criarei bois.
no esquerdo, galinhas.
e tu entre bois e galinhas.
mas preferes morada em mim.
dentro, olhar dormido ante o rio.
as galinhas, tadinhas, voaram.
os bois se foram sem capim.
o pomar é uma melancolia só.
e o castelo some feito reles rascunho.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Estante do tempo
O Solo dos utensílios
(em doze acordes cifrados)
Anibal Beça (1946-2009)
No raso chão do convívio
as coisas da casa cosem
na costura dos minutos
um figurino ordenado.
Talhado traço exclusivo
para os olhos de quem veste
as coisas ganham lugar
no corpo de quem as usa.
No espaço entronizadas
regidas na duração
de seda comum do tempo
sela de um baio ordinário.
Há coisas que se cavalgam
sem as rédeas do comando
outras há de trote breve
encilhadas no seu trato.
As mais simples entre tantas
entretanto são tamanhas
na grandeza utilitária
servis ao seu mandatário.
Serviçais mas não escravas
pois têm vontade liberta
há dias nos seus recatos
regados de teimosia.
E se negam às tarefas
contrariando a mesmice
de repetir dia a dia
a previsão das agendas.
É esse o dia da caça:
a água quente que esfria
o barbear postergado
no ferrolho da desdita.
Mas há que reconhecer
dentre aquelas mais fiéis
as do amparo solitário
no voo das confidências.
Aquelas que escutam penas
acolchoando a memória
e que nunca recriminam
nossos pecados diários.
As que servem à magia
como aquela escrivaninha
repouso de muitos versos
emplumando garças brancas.
Quem tem os olhos de ver
as mais simples e ordinárias
ganham mimo especial
nesse afago de palavras.
(em doze acordes cifrados)
Anibal Beça (1946-2009)
Para o poeta Zemaria Pinto
No raso chão do convívio
as coisas da casa cosem
na costura dos minutos
um figurino ordenado.
Talhado traço exclusivo
para os olhos de quem veste
as coisas ganham lugar
no corpo de quem as usa.
No espaço entronizadas
regidas na duração
de seda comum do tempo
sela de um baio ordinário.
Há coisas que se cavalgam
sem as rédeas do comando
outras há de trote breve
encilhadas no seu trato.
As mais simples entre tantas
entretanto são tamanhas
na grandeza utilitária
servis ao seu mandatário.
Serviçais mas não escravas
pois têm vontade liberta
há dias nos seus recatos
regados de teimosia.
E se negam às tarefas
contrariando a mesmice
de repetir dia a dia
a previsão das agendas.
É esse o dia da caça:
a água quente que esfria
o barbear postergado
no ferrolho da desdita.
Mas há que reconhecer
dentre aquelas mais fiéis
as do amparo solitário
no voo das confidências.
Aquelas que escutam penas
acolchoando a memória
e que nunca recriminam
nossos pecados diários.
As que servem à magia
como aquela escrivaninha
repouso de muitos versos
emplumando garças brancas.
Quem tem os olhos de ver
as mais simples e ordinárias
ganham mimo especial
nesse afago de palavras.
domingo, 12 de setembro de 2010
Minha pátria é minha língua
A uma pastora tão formosa como ingrata
Alexandre de Gusmão (1695-1753)
Pastora a mais formosa e desumana,
Que fazes de matar-me alarde e gosto,
Como é possível que a um tão lindo rosto
Unisse o Céu a uma alma tão tirana?
Cruel! Que te fiz eu, que me aborreces?
Tens duro coração, mais que um rochedo!
Sou tigre, ou sou leão, que meta medo,
Que apenas tu me vês desapareces?
Por ti tão esquecido ando de tudo,
Que o gado no redil deixei faminto;
O sol me fere a prumo, e não o sinto,
A ovelha está a chamar-me e não lh’acudo.
Lá vai o tempo já que em baile e canto
Eu era no lugar o mais famoso;
Agora, sempre aflito e pesaroso,
Só o que sei é desfazer-me em pranto.
Há pouco que encontrei alguns Pastores,
Que iam comigo ao monte após o gado,
Que não me conheceram de mudado,
Que tal me tem parado os teus rigores!
Até o rebanho meu, que um dia viste
Tão nédio antes que eu enlouquecesse,
Não come já, nem medra, e se emagrece,
Por dó que tem de ver-me andar tão triste;
Ele me guia a mim, não eu a ele,
Que vou nos meus pesares enlevado;
Bem pode o lobo vir, levar-me o gado
À minha vista, sem que eu dê fé dele.
Não sei que nuvem trago neste peito,
Que tudo quanto vejo me entristece;
A flor do campo parda me parece;
Até ao mesmo sol acho imperfeito.
Do alegre prado fujo para o escuro
Da serra me retiro entre os rochedos;
Ali pergunto às feras e aos penedos
Se alguém há mais que tu cruel e duro.
Ali ouço soar rompendo o mato
Do ribeirinho as saudosas águas,
E em competência vão as minhas mágoas
Dos olhos despedindo outro regato.
Este mal, que hoje sofro, eu o mereço,
Que ingrato desprezei quem me queria;
Agora se me vê, faz zombaria,
Que bem vingada está no que padeço.
Então não conhecia o que amor era
Também me ria do tormento alheio;
Oh! quão cedo (inda mal) o tempo veio
Que o conheço já mais do que quisera.
Não me desprezes, não, gentil Pastora,
Que igual castigo Amor talvez te guarda;
Não sejas à piedade avessa e tarda,
Tem dó de maltratar a quem te adora.
Alexandre de Gusmão (1695-1753)
Pastora a mais formosa e desumana,
Que fazes de matar-me alarde e gosto,
Como é possível que a um tão lindo rosto
Unisse o Céu a uma alma tão tirana?
Cruel! Que te fiz eu, que me aborreces?
Tens duro coração, mais que um rochedo!
Sou tigre, ou sou leão, que meta medo,
Que apenas tu me vês desapareces?
Por ti tão esquecido ando de tudo,
Que o gado no redil deixei faminto;
O sol me fere a prumo, e não o sinto,
A ovelha está a chamar-me e não lh’acudo.
Lá vai o tempo já que em baile e canto
Eu era no lugar o mais famoso;
Agora, sempre aflito e pesaroso,
Só o que sei é desfazer-me em pranto.
Há pouco que encontrei alguns Pastores,
Que iam comigo ao monte após o gado,
Que não me conheceram de mudado,
Que tal me tem parado os teus rigores!
Até o rebanho meu, que um dia viste
Tão nédio antes que eu enlouquecesse,
Não come já, nem medra, e se emagrece,
Por dó que tem de ver-me andar tão triste;
Ele me guia a mim, não eu a ele,
Que vou nos meus pesares enlevado;
Bem pode o lobo vir, levar-me o gado
À minha vista, sem que eu dê fé dele.
Não sei que nuvem trago neste peito,
Que tudo quanto vejo me entristece;
A flor do campo parda me parece;
Até ao mesmo sol acho imperfeito.
Do alegre prado fujo para o escuro
Da serra me retiro entre os rochedos;
Ali pergunto às feras e aos penedos
Se alguém há mais que tu cruel e duro.
Ali ouço soar rompendo o mato
Do ribeirinho as saudosas águas,
E em competência vão as minhas mágoas
Dos olhos despedindo outro regato.
Este mal, que hoje sofro, eu o mereço,
Que ingrato desprezei quem me queria;
Agora se me vê, faz zombaria,
Que bem vingada está no que padeço.
Então não conhecia o que amor era
Também me ria do tormento alheio;
Oh! quão cedo (inda mal) o tempo veio
Que o conheço já mais do que quisera.
Não me desprezes, não, gentil Pastora,
Que igual castigo Amor talvez te guarda;
Não sejas à piedade avessa e tarda,
Tem dó de maltratar a quem te adora.
sábado, 11 de setembro de 2010
Poesia em tradução
O visiotário
Jakob van Hoddis (1887-1942)
Lâmpada, não esquente.
Da parede saiu um braço magro de mulher.
Era pálido e tinha veias azuis.
Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:
Estava viva e quente.
Arranhou-me o rosto.
Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do chão.
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo da vassoura encostado à parede.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
Jakob van Hoddis (1887-1942)
Lâmpada, não esquente.
Da parede saiu um braço magro de mulher.
Era pálido e tinha veias azuis.
Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:
Estava viva e quente.
Arranhou-me o rosto.
Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do chão.
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo da vassoura encostado à parede.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Corpo
Maria Teresa Horta
É pêssego
tangerina
e é limão
Tem sabor a damasco
e a alperce
Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe
De maça guarda o pecado
e a sedução
Do mel
o açúcar que reveste
Do licor
a febre que no seu rasgão
me invade me inunda e me apetece
Mergulho depressa a minha boca
e bebo a sede
onde em mim já cresce
Delírio que me enche
de prazer
tomando ponto num lume que umedece
Devagar mexo sem tino
as minhas mãos
Provando de ti
se de ti viesse
O anis do esperma
o doce odor do pão
que o teu corpo espalha e me enlouquece
É pêssego
tangerina
e é limão
Tem sabor a damasco
e a alperce
Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe
De maça guarda o pecado
e a sedução
Do mel
o açúcar que reveste
Do licor
a febre que no seu rasgão
me invade me inunda e me apetece
Mergulho depressa a minha boca
e bebo a sede
onde em mim já cresce
Delírio que me enche
de prazer
tomando ponto num lume que umedece
Devagar mexo sem tino
as minhas mãos
Provando de ti
se de ti viesse
O anis do esperma
o doce odor do pão
que o teu corpo espalha e me enlouquece
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Político aprendiz
Simão Pessoa
Equilibro este pânico na memória
Dou um salto e assumo todo o risco
Tiro algumas mentiras da cartola
E dou por iniciado o comício
Alinhavo palavras descuidadas
Um ar de enfado quase inútil
Gomalina misturo com cabala
E prometo de concreto o absurdo
Olho fixo a multidão entediada
Acrobata do verbo sem sentir
Imobilizo o olhar vesgo da massa
Agradeço peço palmas vou dormir
Equilibro este pânico na memória
Dou um salto e assumo todo o risco
Tiro algumas mentiras da cartola
E dou por iniciado o comício
Alinhavo palavras descuidadas
Um ar de enfado quase inútil
Gomalina misturo com cabala
E prometo de concreto o absurdo
Olho fixo a multidão entediada
Acrobata do verbo sem sentir
Imobilizo o olhar vesgo da massa
Agradeço peço palmas vou dormir
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
exercício nº 18
Zemaria Pinto
caminhos que se bifurcam, traçados
no tabuleiro de jade, onde a besta
se deleita, entre pétalas de pedra
e uma cascata de sangue e absinto
caminhos multiplicados, caminhos
de descaminhos, em vão limitados
entre o sim que dá passagem e o não
que abafa, prende, verga, humilha e mata
os homens que tenho sido se encontram
nos olhos cegos do outro, nas mãos
rugosas do outro, e até no hálito
apodrecido que emana do outro
meu corpo vaga nas escuras câmaras
feito um camelo em meio a um maremoto
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Dia urbano
Alexandre dos Santos
O galo nem ficou rouco
e meu corpo está cansado,
o amanhecer prossegue.
Rabiscado o sol rompe
minha testa assalariada,
eu sigo minha noite.
Depois eu falo, grito, calo;
ando ando ando ando.
Desfolho-me em outono.
As pernas são inúmeras:
os sonhos, as horas, o verbo
os olhares graves, a dor aguda.
E o galo além de rouco
vai despenando, grisalho.
O outro dia me aguarda.
O galo nem ficou rouco
e meu corpo está cansado,
o amanhecer prossegue.
Rabiscado o sol rompe
minha testa assalariada,
eu sigo minha noite.
Depois eu falo, grito, calo;
ando ando ando ando.
Desfolho-me em outono.
As pernas são inúmeras:
os sonhos, as horas, o verbo
os olhares graves, a dor aguda.
E o galo além de rouco
vai despenando, grisalho.
O outro dia me aguarda.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Estante do tempo
O teu beijo
Kideniro Teixeira (1908-2008)
Há no teu beijo o gosto das mangabas,
das sapotas, das uvas, das maçãs...
Dele recordo o suco das bacabas
e a cor das rosas nas gracis manhãs.
Perdem sabor as frígidas goiabas
e o viço foge às rútilas romãs,
ao me ofertares amorosas gabas,
ser de teu peito os bárbaros tantãs.
A tudo sinto, escuto, adoro e creio
no palpitar aflito de teu seio,
rogando que eu não beije outra qualquer...
Mas, se o fizer, nos meus desmandos raros,
essa há de ver, dentro em meus olhos claros,
o teu formoso rosto de mulher.
Kideniro Teixeira (1908-2008)
Há no teu beijo o gosto das mangabas,
das sapotas, das uvas, das maçãs...
Dele recordo o suco das bacabas
e a cor das rosas nas gracis manhãs.
Perdem sabor as frígidas goiabas
e o viço foge às rútilas romãs,
ao me ofertares amorosas gabas,
ser de teu peito os bárbaros tantãs.
A tudo sinto, escuto, adoro e creio
no palpitar aflito de teu seio,
rogando que eu não beije outra qualquer...
Mas, se o fizer, nos meus desmandos raros,
essa há de ver, dentro em meus olhos claros,
o teu formoso rosto de mulher.
domingo, 5 de setembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Spes Sola
Narcisa Amália (1852-1924)
Não, teu culto ideal eu não abjuro,
Musa dos livres que no espaço imperas!
Dei-te as rosas das vinte primaveras,
Dou-te o presente e... sagro-te o futuro!
Pode o crime rasgar-te o seio puro
E a grei humana, como greis em feras,
As tábuas profanar das leis severas
Com que nos guias o porvir seguro.
Hei de amar-te na sombra; e luz, e espaço
Seguir, contrita, no universo inteiro
O vestígio fecundo de teu passo!
– Musa, que abriste-me o sorrir, primeiro –
Que encheste-me de flores o regaço,
Sê-me na terra o amparo derradeiro.
Narcisa Amália (1852-1924)
Não, teu culto ideal eu não abjuro,
Musa dos livres que no espaço imperas!
Dei-te as rosas das vinte primaveras,
Dou-te o presente e... sagro-te o futuro!
Pode o crime rasgar-te o seio puro
E a grei humana, como greis em feras,
As tábuas profanar das leis severas
Com que nos guias o porvir seguro.
Hei de amar-te na sombra; e luz, e espaço
Seguir, contrita, no universo inteiro
O vestígio fecundo de teu passo!
– Musa, que abriste-me o sorrir, primeiro –
Que encheste-me de flores o regaço,
Sê-me na terra o amparo derradeiro.
sábado, 4 de setembro de 2010
Poesia em tradução
Soneto LXXI
William Shakespeare (1564-1616)
Não lamentes por mim quando eu morrer
Senão enquanto o surdo sino diz
Ao mundo vil que o deixo e vou viver
Em meio aos vermes que inda são mais vis.
Nem te recorde o verso comovido
A mão que o escreveu, pois te amo tanto
Que antes achar em tua mente olvido
Que ser lembrado e te causar o pranto.
Ah! peço-te que ao leres esta queixa
Quando for minha carne consumida,
Não te refiras ao meu nome e deixa
Que morra o teu amor com minha vida.
Não veja o mundo e zombe desta dor
Por minha causa, quando morto eu for.
(Trad. Ivo Barroso)
William Shakespeare (1564-1616)
Não lamentes por mim quando eu morrer
Senão enquanto o surdo sino diz
Ao mundo vil que o deixo e vou viver
Em meio aos vermes que inda são mais vis.
Nem te recorde o verso comovido
A mão que o escreveu, pois te amo tanto
Que antes achar em tua mente olvido
Que ser lembrado e te causar o pranto.
Ah! peço-te que ao leres esta queixa
Quando for minha carne consumida,
Não te refiras ao meu nome e deixa
Que morra o teu amor com minha vida.
Não veja o mundo e zombe desta dor
Por minha causa, quando morto eu for.
(Trad. Ivo Barroso)
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Sinal fechado
Paulinho da Viola
– Olá, como vai?
– Eu vou indo... E você, tudo bem?
– Tudo bem, eu vou indo... Correndo pegar meu lugar no futuro. E você?
– Tudo bem, eu vou indo... Em busca de um sono tranquilo... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...
– Me perdoe a pressa: é a alma dos nossos negócios...
– Oh, não tem de quê... Eu também só ando a cem...
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí...
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança...
– Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– ...Eu procuro você.
– ...Vai abrir, vai abrir...
– Prometo, não esqueço.
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Não esqueço, adeus!
– Olá, como vai?
– Eu vou indo... E você, tudo bem?
– Tudo bem, eu vou indo... Correndo pegar meu lugar no futuro. E você?
– Tudo bem, eu vou indo... Em busca de um sono tranquilo... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...
– Me perdoe a pressa: é a alma dos nossos negócios...
– Oh, não tem de quê... Eu também só ando a cem...
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí...
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança...
– Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– ...Eu procuro você.
– ...Vai abrir, vai abrir...
– Prometo, não esqueço.
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Não esqueço, adeus!
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Estrangeira
Astrid Cabral
Varro os degraus das escadas
deste paço imperial
circundado de colunas.
Mas é no abstrato barro
de outro hemisfério
junto a raízes bem fundas
que estão plantados meus pés.
Varro os degraus das escadas
deste paço imperial
circundado de colunas.
Mas é no abstrato barro
de outro hemisfério
junto a raízes bem fundas
que estão plantados meus pés.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Dabacuri – amazônica 21
Zemaria Pinto
os botos mergulham
em sincronia perfeita
– a tarde se põe
lago em burburinho,
canoas em movimento
– tem boto, tem peixe!
os botos mergulham
em sincronia perfeita
– a tarde se põe
lago em burburinho,
canoas em movimento
– tem boto, tem peixe!
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