The Judgement of Paris.
Amigos do Fingidor
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Soneto 340 – Sintético
Glauco Mattoso
De como a poesia é definida
depende a trajetória do poeta.
Qual é, pergunto, a fórmula secreta
que traça em poucas linhas uma vida?
Segundo Rilke, a lira não duvida.
Mas Eliot é turrão, e tudo objeta.
Bashô quanto mais crê menos se aquieta.
Pessoa diz que é fé na dor fingida.
Divergem tantos mestres só no tom.
Não há por que dar tratos ao bestunto:
há química no verso, não um dom.
Qualquer opinião, qualquer assunto
será, verdade ou não, poema bom
se for densa a fração, breve o conjunto.
De como a poesia é definida
depende a trajetória do poeta.
Qual é, pergunto, a fórmula secreta
que traça em poucas linhas uma vida?
Segundo Rilke, a lira não duvida.
Mas Eliot é turrão, e tudo objeta.
Bashô quanto mais crê menos se aquieta.
Pessoa diz que é fé na dor fingida.
Divergem tantos mestres só no tom.
Não há por que dar tratos ao bestunto:
há química no verso, não um dom.
Qualquer opinião, qualquer assunto
será, verdade ou não, poema bom
se for densa a fração, breve o conjunto.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Federico Garcia
Rogel Samuel
Federico Garcia
o som de uma luz trazida
e aziaga
te cortava como lâminas
de três gritantes guitarras
E, andaluz valente
passavas poesia no tempo
Federico Garcia
guardas civiles de touros
e de praças
não te cobriam de pedras
Por entre as rimas filtraram
vozes irmãs das estrelas
que trocariam contigo
essa barca sob o sol
Federico Garcia
o som de uma luz trazida
e aziaga
te cortava como lâminas
de três gritantes guitarras
E, andaluz valente
passavas poesia no tempo
Federico Garcia
guardas civiles de touros
e de praças
não te cobriam de pedras
Por entre as rimas filtraram
vozes irmãs das estrelas
que trocariam contigo
essa barca sob o sol
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
poema com homem, mulher e flor
Zemaria Pinto
um homem atravessou correndo a rua
uma mulher deu-me adeus
uma flor brotou do chão
um idiota atravessou cantando a noite
uma mulher despiu seus véus
um louco brotou do chão
uma mulher rasgou os seios
um homem mamou seu sangue
uma flor brotou do leite
um louco morreu cheio de ódio
uma mulher grávida suicidou-se
um grito brotou do escuro
uma mulher matou um homem
uma flor suicidou-se
um louco morreu no escuro
um homem caiu na rua
uma flor brotou no chão
um seio brilhou no escuro
uma mulher brotou na rua
uma flor jorrou veneno
um homem morreu no escuro
uma mulher acenando-me
um seio jorrando sangue
um adeus
(1974)
um homem atravessou correndo a rua
uma mulher deu-me adeus
uma flor brotou do chão
um idiota atravessou cantando a noite
uma mulher despiu seus véus
um louco brotou do chão
uma mulher rasgou os seios
um homem mamou seu sangue
uma flor brotou do leite
um louco morreu cheio de ódio
uma mulher grávida suicidou-se
um grito brotou do escuro
uma mulher matou um homem
uma flor suicidou-se
um louco morreu no escuro
um homem caiu na rua
uma flor brotou no chão
um seio brilhou no escuro
uma mulher brotou na rua
uma flor jorrou veneno
um homem morreu no escuro
uma mulher acenando-me
um seio jorrando sangue
um adeus
(1974)
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Senhor de mim
Tainá Vieira
Entrego-te a minha vida, amor,
Toma o meu corpo e faz dele
Instrumento do teu desejo,
Estou a tua disposição para
Fazeres o que quiseres de mim...
Serei teu alimento nas horas
Mais inesperadas dos teus dias;
Quero ser tua bebida quando a
Sede secar-te a garganta, quando
Estiveres entediado, serei tua distração.
Minha boca calar-se-á para o mundo
Minha voz não mais será ouvida,
Pois meus lábios e minha língua
Servirão somente a ti, e pronunciarei
Apenas uma palavra: teu nome.
Meus olhos não distinguirão mais nada,
Se não for teu corpo, meus lábios sentirão
Apenas o gosto do teu beijo e meu corpo
Viverá para tuas caricias, será o instrumento
Das tuas fantasias e dos teus desejos.
Serei tua amiga, tua amante, serei
Teu anjo, guardarei tuas noites, farei
Tudo o que quiseres, beberei uísque
Com você. Serei homem nos instantes
Que precisares de um ombro amigo.
Enxugarei tuas lagrimas, quando a
Tristeza bater na tua porta, te farei
Sorrir, farei de tudo para vires teu sorriso
Brilhar mais uma vez, mas se continuares
A chorar eu beberei tuas lagrimas.
Serei tua força quando o cansaço te vencer
E quando não puderes mais caminhar
Sozinho, te conduzirei pelos meus braços:
Serei teu apoio. Privar-me-ei dos meus
Sonhos para realizar os teus.
Serei teu gozo e tua alegria, meu sexo
Jamais se cansará de desejar-te,
De querer-te todas as noites, todos
Os dias, de todos os jeitos, meu corpo
Morrerá se não sentir mais o teu calor.
Serei os cincos sentidos e os
Quatros elementos, serei a vida
Representada nas estações.
– as flores, a chuva, a neve, o calor.
Serei o universo inteiro só pra ti.
Entrego-te a minha vida, amor,
Para fazeres dela o quiseres,
Entrego-te o meu corpo, já não
Pertenço-me mais, minh’alma e
Meu coração agora pertencem a ti.
Eis-me aqui, despida como vim ao
Mundo, desprovida de sonhos, apenas
Com uma razão, servir-te. Ofereço-te
O meu corpo, minha carne, ofereço-te
Tudo a ti, que és senhor de mim.
Entrego-te a minha vida, amor,
Toma o meu corpo e faz dele
Instrumento do teu desejo,
Estou a tua disposição para
Fazeres o que quiseres de mim...
Serei teu alimento nas horas
Mais inesperadas dos teus dias;
Quero ser tua bebida quando a
Sede secar-te a garganta, quando
Estiveres entediado, serei tua distração.
Minha boca calar-se-á para o mundo
Minha voz não mais será ouvida,
Pois meus lábios e minha língua
Servirão somente a ti, e pronunciarei
Apenas uma palavra: teu nome.
Meus olhos não distinguirão mais nada,
Se não for teu corpo, meus lábios sentirão
Apenas o gosto do teu beijo e meu corpo
Viverá para tuas caricias, será o instrumento
Das tuas fantasias e dos teus desejos.
Serei tua amiga, tua amante, serei
Teu anjo, guardarei tuas noites, farei
Tudo o que quiseres, beberei uísque
Com você. Serei homem nos instantes
Que precisares de um ombro amigo.
Enxugarei tuas lagrimas, quando a
Tristeza bater na tua porta, te farei
Sorrir, farei de tudo para vires teu sorriso
Brilhar mais uma vez, mas se continuares
A chorar eu beberei tuas lagrimas.
Serei tua força quando o cansaço te vencer
E quando não puderes mais caminhar
Sozinho, te conduzirei pelos meus braços:
Serei teu apoio. Privar-me-ei dos meus
Sonhos para realizar os teus.
Serei teu gozo e tua alegria, meu sexo
Jamais se cansará de desejar-te,
De querer-te todas as noites, todos
Os dias, de todos os jeitos, meu corpo
Morrerá se não sentir mais o teu calor.
Serei os cincos sentidos e os
Quatros elementos, serei a vida
Representada nas estações.
– as flores, a chuva, a neve, o calor.
Serei o universo inteiro só pra ti.
Entrego-te a minha vida, amor,
Para fazeres dela o quiseres,
Entrego-te o meu corpo, já não
Pertenço-me mais, minh’alma e
Meu coração agora pertencem a ti.
Eis-me aqui, despida como vim ao
Mundo, desprovida de sonhos, apenas
Com uma razão, servir-te. Ofereço-te
O meu corpo, minha carne, ofereço-te
Tudo a ti, que és senhor de mim.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Estante do tempo
Por enquanto, não
Hemetério Cabrinha (1892-1959)
Disseram que eu morrera. Ainda é tão cedo
Para deixar em paz o velho mundo,
Onde, por entre espinhos me enveredo,
Como um simples rafeiro vagabundo.
Bem quisera eu fugir deste degredo!
Deste terrível lupanar imundo,
Onde, hoje, a vida é simplesmente o enredo
De um romance de fel e dor fecundo.
Para que viver mais, quem sobre os ombros,
A cruz da vida tem pesado tanto,
E trá-la a tropeçar por entre escombros?
Disseram que eu morrera. No entretanto,
Como um fantasma vil causando assombros
Ainda arrasto o cadáver por enquanto.
Hemetério Cabrinha (1892-1959)
Disseram que eu morrera. Ainda é tão cedo
Para deixar em paz o velho mundo,
Onde, por entre espinhos me enveredo,
Como um simples rafeiro vagabundo.
Bem quisera eu fugir deste degredo!
Deste terrível lupanar imundo,
Onde, hoje, a vida é simplesmente o enredo
De um romance de fel e dor fecundo.
Para que viver mais, quem sobre os ombros,
A cruz da vida tem pesado tanto,
E trá-la a tropeçar por entre escombros?
Disseram que eu morrera. No entretanto,
Como um fantasma vil causando assombros
Ainda arrasto o cadáver por enquanto.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Meu ser evaporei na lida insana
Bocage (1765-1805)
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos
Saiba morrer o que viver não soube.
Bocage (1765-1805)
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos
Saiba morrer o que viver não soube.
sábado, 25 de dezembro de 2010
Poesia em tradução
A tela
Efraín Rodríguez Santana
Na praça há uma vaca e está amarrada
e junto à vaca aparece uma tela de televisão,
chove dentro dessa tela, é uma imagem superposta,
sentem-se a umidade e o gotejar veloz da chuva,
mas também poderia ser a película da água sobre um campo gris,
mas também poderia ser o remanso da água sobre a crista
de uma onda,
mas também poderia ser o cristal de um aquário encostado
ao cristal líquido da televisão.
As pessoas fugiram da praça e se refugiaram nas casas,
não querem ouvir esse borbulhar sobre as janelas e os tetos.
Não importa que a água caia sobre aquela imagem perturbadora,
como nas velhas sequências de naufrágios as cabeças aparecem
e os corpos estão cortados e as mãos se inclinam em um sentido
e outro.
A tela não encerrará seu programa, eles estão mortos de medo,
é a praça principal do mencionado país.
(Trad.: Claudio Daniel)
Efraín Rodríguez Santana
Na praça há uma vaca e está amarrada
e junto à vaca aparece uma tela de televisão,
chove dentro dessa tela, é uma imagem superposta,
sentem-se a umidade e o gotejar veloz da chuva,
mas também poderia ser a película da água sobre um campo gris,
mas também poderia ser o remanso da água sobre a crista
de uma onda,
mas também poderia ser o cristal de um aquário encostado
ao cristal líquido da televisão.
As pessoas fugiram da praça e se refugiaram nas casas,
não querem ouvir esse borbulhar sobre as janelas e os tetos.
Não importa que a água caia sobre aquela imagem perturbadora,
como nas velhas sequências de naufrágios as cabeças aparecem
e os corpos estão cortados e as mãos se inclinam em um sentido
e outro.
A tela não encerrará seu programa, eles estão mortos de medo,
é a praça principal do mencionado país.
(Trad.: Claudio Daniel)
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Descobrimento
Noémia de Souza (1926-2002)
Quando a tua mão macia e serena de branco
e estendeu fraternalmente para mim
e através Índicos de preconceitos
apertou com carinho meus dedos mulatos enclavinhados;
quando teus olhos inchados de compreensão
pousaram no mapa doloroso do meu rosto de África;
quando a piroga do teu amor e fez ao mar
e veio aportar ao meu peito ensanguentado e céptico;
ah, quando a tua voz doce e fresca como um lanho
me trouxe a bandeira branca da palavra “IRMÔ,
é que eu senti, profunda como um selo em brasa
verrumando a carne,
a força terrível e única do nosso abraço fraterno,
a inquebrantável cadeia das nossas mãos enfim juntas,
a indestrutível resistência da muralha erguida
por nossas maravilhosas juventudes unidas.
Ah, amigo, quando a tua mão certa e serena de branco
procurou o desespero da minha mão sem rumo…
(Ao J. Mendes)
Quando a tua mão macia e serena de branco
e estendeu fraternalmente para mim
e através Índicos de preconceitos
apertou com carinho meus dedos mulatos enclavinhados;
quando teus olhos inchados de compreensão
pousaram no mapa doloroso do meu rosto de África;
quando a piroga do teu amor e fez ao mar
e veio aportar ao meu peito ensanguentado e céptico;
ah, quando a tua voz doce e fresca como um lanho
me trouxe a bandeira branca da palavra “IRMÔ,
é que eu senti, profunda como um selo em brasa
verrumando a carne,
a força terrível e única do nosso abraço fraterno,
a inquebrantável cadeia das nossas mãos enfim juntas,
a indestrutível resistência da muralha erguida
por nossas maravilhosas juventudes unidas.
Ah, amigo, quando a tua mão certa e serena de branco
procurou o desespero da minha mão sem rumo…
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Convite
Celestino Neto
vamos incensar a alma
abrir as janelas dos olhos
deixar o sol entrar
botar o bloco na rua
tomar banho de chuva
com a vida deitar e rolar
usar todos os sentidos
só não faz sentido
deixar a vida passar
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Dabacuri – da natureza das coisas 2
Zemaria Pinto
a grama cortada
espalha um perfume novo
no velho jardim
lua minguante –
sob o teto da manhã
a passarada canta
a grama cortada
espalha um perfume novo
no velho jardim
lua minguante –
sob o teto da manhã
a passarada canta
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Prático
Sergio Luiz Pereira
Não acredito em ti, olho tremido
Nem com o primeiro passo o pé direito
Nem sonho negativo por efeito
Bem ao contrário do que terá sido.
Nem muito menos o coçar sentido
Nas palmas destas mãos em meu proveito
Porque a crendices não estou sujeito
E na existência o prático é vivido.
Não acredito no meu corpo a marca
Da vã superstição se nele abarca
E move-me a caminho em que não fito.
Alheio a fatos dessa natureza
Vou calmamente sem qualquer surpresa
Crendo apenas naquilo em que acredito.
A Rogel Samuel
Não acredito em ti, olho tremido
Nem com o primeiro passo o pé direito
Nem sonho negativo por efeito
Bem ao contrário do que terá sido.
Nem muito menos o coçar sentido
Nas palmas destas mãos em meu proveito
Porque a crendices não estou sujeito
E na existência o prático é vivido.
Não acredito no meu corpo a marca
Da vã superstição se nele abarca
E move-me a caminho em que não fito.
Alheio a fatos dessa natureza
Vou calmamente sem qualquer surpresa
Crendo apenas naquilo em que acredito.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Estante do tempo
Cromo
Maranhão Sobrinho (1879-1915)
Desce a tarde. Faísca o sol distante,
tingindo o céu de púrpura sagrada
e, dos montes, dourando, instante a instante,
a sinuosa e oblonga cumeada...
Do mar a face de ouro e azul plissada
faísca opalas vivas, coruscante
como um pedaço imenso da alvorada
entre as glórias e as pompas do levante!
De vez em quando, sobre a face imota
do mar, toda a fulgir de pedraria,
roça a asa de luz de uma gaivota...
E vão chegando, aos últimos fulgores
do sol que vai dourando as penedias,
longe, os barcos gentis dos pescadores...
Maranhão Sobrinho (1879-1915)
Desce a tarde. Faísca o sol distante,
tingindo o céu de púrpura sagrada
e, dos montes, dourando, instante a instante,
a sinuosa e oblonga cumeada...
Do mar a face de ouro e azul plissada
faísca opalas vivas, coruscante
como um pedaço imenso da alvorada
entre as glórias e as pompas do levante!
De vez em quando, sobre a face imota
do mar, toda a fulgir de pedraria,
roça a asa de luz de uma gaivota...
E vão chegando, aos últimos fulgores
do sol que vai dourando as penedias,
longe, os barcos gentis dos pescadores...
domingo, 19 de dezembro de 2010
Minha pátria é minha língua
O martírio do artista
Augusto dos Anjos (1884-1914)
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!
Augusto dos Anjos (1884-1914)
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!
sábado, 18 de dezembro de 2010
Poesia em tradução
Profecia
Alfred Tennyson (1809-1892)
Porque imergi no futuro,
até onde o olho humano pode ver,
Vislumbrei a Visão do mundo,
e todo o encanto que podia ser;
Vi os céus cheios
de naus, corsários, velas de magia,
Pilotos do crepúsculo
rubro tombando em cargas de valia;
Ouvi os céus cheios de gritos,
e lá choveu um lívido orvalhar
Das vistosas esquadras
das nações no azul central a atacar;
Bem longe, o murmurar no mundo inteiro
do vento sul nesse ímpeto que esquenta,
Com os emblemas dos povos
mergulhando nos raios da tormenta;
Até que o tambor de guerra
não soasse e bandeiras ao reverso
No Parlamento do homem,
Federação de todo este universo.
Lá o senso comum da maioria
suporta um febril reino em sobressalto,
E a benévola terra
dormirá envolta em norma universal.
(Trad. José Lino Grünewald)
Alfred Tennyson (1809-1892)
Porque imergi no futuro,
até onde o olho humano pode ver,
Vislumbrei a Visão do mundo,
e todo o encanto que podia ser;
Vi os céus cheios
de naus, corsários, velas de magia,
Pilotos do crepúsculo
rubro tombando em cargas de valia;
Ouvi os céus cheios de gritos,
e lá choveu um lívido orvalhar
Das vistosas esquadras
das nações no azul central a atacar;
Bem longe, o murmurar no mundo inteiro
do vento sul nesse ímpeto que esquenta,
Com os emblemas dos povos
mergulhando nos raios da tormenta;
Até que o tambor de guerra
não soasse e bandeiras ao reverso
No Parlamento do homem,
Federação de todo este universo.
Lá o senso comum da maioria
suporta um febril reino em sobressalto,
E a benévola terra
dormirá envolta em norma universal.
(Trad. José Lino Grünewald)
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Câmara de ecos
Waly Salomão (1943-2003)
Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu.
Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Gotas na vidraça
Almir Diniz
Chuvisca. Cristais líquidos descem
pelas faces polidas das vidraças
e rolam e escorregam e se esvaem
tecendo brilhos nas janelas baças.
As gotas polvilhadas recrudescem
transformadas em rocios e ameaças
e como névoa adensada caem
ou sobem a compor nuvens esparsas.
Imitando neblinas esvoaçam
e feitas nuvens úmidas perpassam
lençóis perenes de cendradas massas.
E os pingos que se alongam nos vitrais
são lágrimas de nossos ancestrais
enchendo, mansas, invisíveis taças.
Chuvisca. Cristais líquidos descem
pelas faces polidas das vidraças
e rolam e escorregam e se esvaem
tecendo brilhos nas janelas baças.
As gotas polvilhadas recrudescem
transformadas em rocios e ameaças
e como névoa adensada caem
ou sobem a compor nuvens esparsas.
Imitando neblinas esvoaçam
e feitas nuvens úmidas perpassam
lençóis perenes de cendradas massas.
E os pingos que se alongam nos vitrais
são lágrimas de nossos ancestrais
enchendo, mansas, invisíveis taças.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
pernas que se perdem
Zemaria Pinto
pernas que se perdem
peitos que se abrem
sonhos que adormecem
dentes que se quebram
noite que me abraça
chuva que me molha
(1973)
pernas que se perdem
peitos que se abrem
sonhos que adormecem
dentes que se quebram
noite que me abraça
chuva que me molha
(1973)
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Uma aula, quase um poema (ou vice-versa)
Dedé Rodrigues
decompor o todo em partes
comer cada pedaço
buscar a Poesia no objeto
depois fazer a síntese
a análise do poema
finalmente
depositar os restos
numa página e cobri-la
para sempre
um poema não deve conter apenas
pedaços de Poesia
porque a Poesia não pode ser despedaçada
arrancada de seu todo
ter expostos os nervos
numa aula de anatomia
um poema deve ser degustado
integralmente
digerido dia após dia
até que se decomponha
circule em nossas veias
e faça parte da nossa vida
de resto não é Poesia
são rabiscos – apenas
Um bom leitor é também um bom criador de experiência poética.
(Antônio Paulo Graça)
decompor o todo em partes
comer cada pedaço
buscar a Poesia no objeto
depois fazer a síntese
a análise do poema
finalmente
depositar os restos
numa página e cobri-la
para sempre
um poema não deve conter apenas
pedaços de Poesia
porque a Poesia não pode ser despedaçada
arrancada de seu todo
ter expostos os nervos
numa aula de anatomia
um poema deve ser degustado
integralmente
digerido dia após dia
até que se decomponha
circule em nossas veias
e faça parte da nossa vida
de resto não é Poesia
são rabiscos – apenas
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Estante do tempo
Garça feliz
Quintino Cunha (1873-1943)
Um lago, a cuja flor, nas canaranas,
Impossível, traiçoeiro, repelente,
Um jacaré assustadoramente
Estruge e tange as gárrulas ciganas.
Depois margina a sombra das oeiranas,
Vendo uma garça, sorrateiramente,
Solta-lhe a cauda e um jato de repente
D’água, desfaz-se no ar em filigranas.
E, quando morta a triste garça eu via,
Como um toque ilusório de alegria,
No coração sensível da tristeza,
Rosna perto uma onça e o monstro solta
A embiara feliz, que as asas volta
Para o bonito Céu de azul-turquesa!
Quintino Cunha (1873-1943)
Um lago, a cuja flor, nas canaranas,
Impossível, traiçoeiro, repelente,
Um jacaré assustadoramente
Estruge e tange as gárrulas ciganas.
Depois margina a sombra das oeiranas,
Vendo uma garça, sorrateiramente,
Solta-lhe a cauda e um jato de repente
D’água, desfaz-se no ar em filigranas.
E, quando morta a triste garça eu via,
Como um toque ilusório de alegria,
No coração sensível da tristeza,
Rosna perto uma onça e o monstro solta
A embiara feliz, que as asas volta
Para o bonito Céu de azul-turquesa!
domingo, 12 de dezembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Inania Verba
Olavo Bilac (1865-1918)
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?
Olavo Bilac (1865-1918)
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?
sábado, 11 de dezembro de 2010
Poesia em tradução
Salvat Monho (1749-1821)
Baco não quer altar nem quer admiração.
Para os homens deixou somente uma instrução:
o vinho sem a água à vontade beberem,
se da morte manter-se a distância quiserem.
Se pensam que viver se reduz a existir,
felizes vamos ser e um bom gole ingerir.
Pois não sabemos como a vida prolongar,
deixemo-nos beber se o coração mandar.
Se alguém se dá ao trabalho, então não perca a vez:
o copo está vazio, pode enchê-lo outra vez.
Gozar, até esquecer o que nos aborrece
e as lembranças ruins que ninguém esquece.
Bebamos outra vez; é como sói dizer:
que dois copos depois, o terceiro é um dever.
E se esse coração no fundo ainda é triste,
talvez o quarto copo enfim o reconquiste.
(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)
Baco não quer altar nem quer admiração.
Para os homens deixou somente uma instrução:
o vinho sem a água à vontade beberem,
se da morte manter-se a distância quiserem.
Se pensam que viver se reduz a existir,
felizes vamos ser e um bom gole ingerir.
Pois não sabemos como a vida prolongar,
deixemo-nos beber se o coração mandar.
Se alguém se dá ao trabalho, então não perca a vez:
o copo está vazio, pode enchê-lo outra vez.
Gozar, até esquecer o que nos aborrece
e as lembranças ruins que ninguém esquece.
Bebamos outra vez; é como sói dizer:
que dois copos depois, o terceiro é um dever.
E se esse coração no fundo ainda é triste,
talvez o quarto copo enfim o reconquiste.
(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
O poema
Luiza Neto Jorge (1939-1989)
I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se ateia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se ateia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Jorge de Lima
Elson Farias
Jorge de Lima pousa sobre a lama
e mergulha em seu mundo o corpo todo,
seu verso é laborado com o limo
das histórias de escravos e feitores.
O espírito do pai tocou seu peito
mas as visões domaram o menino,
dominaram as mãos maduras do homem
na construção do verso buliçoso.
Donzelas nas janelas desgrenhadas
as negras cabeleiras pelas noites
de lua, luar mórbido nas telhas
das casas senhoriais abandonadas,
é o verso e o reverso dos inventos
desse Orfeu, exilado na sua ilha,
Prometeu condenado, sem saída.
Jorge de Lima pousa sobre a lama
e mergulha em seu mundo o corpo todo,
seu verso é laborado com o limo
das histórias de escravos e feitores.
O espírito do pai tocou seu peito
mas as visões domaram o menino,
dominaram as mãos maduras do homem
na construção do verso buliçoso.
Donzelas nas janelas desgrenhadas
as negras cabeleiras pelas noites
de lua, luar mórbido nas telhas
das casas senhoriais abandonadas,
é o verso e o reverso dos inventos
desse Orfeu, exilado na sua ilha,
Prometeu condenado, sem saída.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Dabacuri – da natureza das coisas 1
Zemaria Pinto
notícias do sol –
os pássaros da manhã
cantam na varanda
o pouso silente
da borboleta de seda
celebra a manhã
notícias do sol –
os pássaros da manhã
cantam na varanda
o pouso silente
da borboleta de seda
celebra a manhã
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Reportar
Dâmea Mourão
A solidão é a porta aberta
para ninguém entrar.
Entra o silêncio
a pergunta
o devaneio
Entra o vento que derruba
as folhas da árvore
no quintal
Entra um espelho
de mentira
para mostrar à dona da casa
a verdade:
Os dias seguem protegidos
pelas paredes confidentes,
enquanto ela varre as folhas caídas,
limpa as janelas
e planta novas sementes
Até o momento em que a porta da casa
novamente se abre, pronta
para alguém adentrar
- e a antiga dona partir
A solidão é a porta aberta
para ninguém entrar.
Entra o silêncio
a pergunta
o devaneio
Entra o vento que derruba
as folhas da árvore
no quintal
Entra um espelho
de mentira
para mostrar à dona da casa
a verdade:
Os dias seguem protegidos
pelas paredes confidentes,
enquanto ela varre as folhas caídas,
limpa as janelas
e planta novas sementes
Até o momento em que a porta da casa
novamente se abre, pronta
para alguém adentrar
- e a antiga dona partir
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Estante do tempo
Águas puras... águas barrentas...
Sebastião Norões (1915-1972)
Velho Madeira a deslizar profundo
por entre margens de vermelho e verde.
Meu velho rio – amálgama de águas
verdes e brancas e vermelhas e pretas.
Que escureza e que espessura fluem
dessa caudal eternamente enorme
na estação da grande cheia.
Em meio às canaranas e árvores, as barrancas descendo
e as garças jangadeando ilhotas ambulantes.
E as madeiras trazidas pelo líquido amarasmado,
– símbolo andejo a relembrar seu nome –
Velho Madeira a digerir molente
bastas terras caídas.
Semelhando, no andar moroso e langue,
a jibóia depois que a presa tem.
Que leveza e que beleza fluem,
nas suas águas de esmeralda e opala,
na época da seca.
Não mais troncos descendo, nem barrancos boiando,
águas pequenas, num correr suave,
gaivotas mostrando a flor branca das praias
e a pureza hospedando na liquidez de sonho.
Sebastião Norões (1915-1972)
Velho Madeira a deslizar profundo
por entre margens de vermelho e verde.
Meu velho rio – amálgama de águas
verdes e brancas e vermelhas e pretas.
Que escureza e que espessura fluem
dessa caudal eternamente enorme
na estação da grande cheia.
Em meio às canaranas e árvores, as barrancas descendo
e as garças jangadeando ilhotas ambulantes.
E as madeiras trazidas pelo líquido amarasmado,
– símbolo andejo a relembrar seu nome –
Velho Madeira a digerir molente
bastas terras caídas.
Semelhando, no andar moroso e langue,
a jibóia depois que a presa tem.
Que leveza e que beleza fluem,
nas suas águas de esmeralda e opala,
na época da seca.
Não mais troncos descendo, nem barrancos boiando,
águas pequenas, num correr suave,
gaivotas mostrando a flor branca das praias
e a pureza hospedando na liquidez de sonho.
domingo, 5 de dezembro de 2010
Minha pátria é minha língua
Quando o samba acabou
Noel Rosa (1910-1937)
Lá no morro da Mangueira
Bem em frente à ribanceira
Uma cruz a gente vê
Quem fincou foi a Rosinha
Que é cabrocha de alta linha
E nos olhos tem seu “não sei quê”
Numa linda madrugada
Ao voltar da batucada
Pra dois malandros olhou a sorrir
Ela foi-se embora e os dois ficaram
Dias depois se encontraram
Pra conversar e discutir
Lá no morro uma luz somente havia
Era a lua que a tudo assistia
Mas quando acabava o samba se escondia
Na segunda batucada
Disputando a namorada
Foram os dois improvisar
E como em toda façanha
Sempre um perde e outro ganha
Um dos dois parou de versejar
E perdendo a doce amada
Foi fumar na encruzilhada
Ficando horas em meditação
Quando o sol raiou foi encontrado
Na ribanceira estirado
Com um punhal no coração
Lá no morro uma luz somente havia:
Era o sol quando o samba acabou...
De noite não houve lua, ninguém cantou...
Noel Rosa (1910-1937)
Lá no morro da Mangueira
Bem em frente à ribanceira
Uma cruz a gente vê
Quem fincou foi a Rosinha
Que é cabrocha de alta linha
E nos olhos tem seu “não sei quê”
Numa linda madrugada
Ao voltar da batucada
Pra dois malandros olhou a sorrir
Ela foi-se embora e os dois ficaram
Dias depois se encontraram
Pra conversar e discutir
Lá no morro uma luz somente havia
Era a lua que a tudo assistia
Mas quando acabava o samba se escondia
Na segunda batucada
Disputando a namorada
Foram os dois improvisar
E como em toda façanha
Sempre um perde e outro ganha
Um dos dois parou de versejar
E perdendo a doce amada
Foi fumar na encruzilhada
Ficando horas em meditação
Quando o sol raiou foi encontrado
Na ribanceira estirado
Com um punhal no coração
Lá no morro uma luz somente havia:
Era o sol quando o samba acabou...
De noite não houve lua, ninguém cantou...
sábado, 4 de dezembro de 2010
Poesia em tradução
Soneto a Filida
Xosé Cornide (1734-1803)
Viste, Filida amada, o passarinho
que arando desses ares pelo prado
se emaranha nas linhas, descuidado,
que astuto caçador põe no caminho?
Viste que força faz para soltar-se
e levar aos filhotes os bocados
(parte do coração, filhos amados),
que os deixara no ninho ao remontar-se?
Pois viste a quem te adora mais que a vida,
que, caído na armadilha de um disfarce,
busca aqui, busca ali uma saída
para fugir, podendo assim livrar-se
e aninhar-se seguro no teu seio,
em que chorara atento o próprio anseio.
(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)
Xosé Cornide (1734-1803)
Viste, Filida amada, o passarinho
que arando desses ares pelo prado
se emaranha nas linhas, descuidado,
que astuto caçador põe no caminho?
Viste que força faz para soltar-se
e levar aos filhotes os bocados
(parte do coração, filhos amados),
que os deixara no ninho ao remontar-se?
Pois viste a quem te adora mais que a vida,
que, caído na armadilha de um disfarce,
busca aqui, busca ali uma saída
para fugir, podendo assim livrar-se
e aninhar-se seguro no teu seio,
em que chorara atento o próprio anseio.
(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Amor século XXI
Pedro Lindoso
Escrevi um poema de amor.
Deixei-o num pen drive,
que perdi.
Tirei fotos importantes.
Deixei-as no computador.
Foram deletadas.
Fiz juras de amor,
dispersas no espaço virtual.
Muito tempo depois,
encontrei o poema,
postado por inteiro
num site de amigos.
As fotos retornaram,
por e-mail.
As juras estavam intactas.
Salvas na memória e no coração,
de um grande e real amor.
Escrevi um poema de amor.
Deixei-o num pen drive,
que perdi.
Tirei fotos importantes.
Deixei-as no computador.
Foram deletadas.
Fiz juras de amor,
dispersas no espaço virtual.
Muito tempo depois,
encontrei o poema,
postado por inteiro
num site de amigos.
As fotos retornaram,
por e-mail.
As juras estavam intactas.
Salvas na memória e no coração,
de um grande e real amor.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Sanduíche Matinal
Astrid Cabral
Mastigam-se ao café
entre fatias torradas
jornais com pingos de sangue
jornais com furos de bala.
No portal da manhã
o sinistro sanduíche
energiza os transeuntes do dia.
(Engavetado o remorso
dos crimes bem menores)
Omissões? traições? covardias?
Transgressões mínimas.
Todos, subitamente, melhores.
Mastigam-se ao café
entre fatias torradas
jornais com pingos de sangue
jornais com furos de bala.
No portal da manhã
o sinistro sanduíche
energiza os transeuntes do dia.
(Engavetado o remorso
dos crimes bem menores)
Omissões? traições? covardias?
Transgressões mínimas.
Todos, subitamente, melhores.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
meu corpo feito falo
Zemaria Pinto
meu corpo feito falo
no teu corpo
transparente
corpo
meu falo-corpo
consumindo a tua sombra
a dançar essa
macumba
no meu peito
(1974)
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