Two female nude and still life.
Amigos do Fingidor
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Nha Codê
Ovídio Martins
Tiraram o lume dos teus olhos
e fizeram braseiro
para aquecer a noite fria;
noite de qualquer dia.
Roubaram o teu riso
e encheram de gargalhadas
de luz e de música
as suas reuniões frustradas.
Da tua pele fizeram tambor
para nos ajuntar no terreiro!
Dondê nha Codê?
Não
não mataram o meu filho
que eu sei que o meu filho não morre.
(Se choro
são saudades de nha Codê...)
Nha Codê vive
na evocação de um mundo distante
no riso e no choro das ervas rasteiras
na solidão dos campos
nas pândegas de marinheiros
na vida que nasce e morre
em cada dia que passa!...
...E em mim
essa saudade de nha Codê!
(A Osvaldo Alcântara)
Tiraram o lume dos teus olhos
e fizeram braseiro
para aquecer a noite fria;
noite de qualquer dia.
Roubaram o teu riso
e encheram de gargalhadas
de luz e de música
as suas reuniões frustradas.
Da tua pele fizeram tambor
para nos ajuntar no terreiro!
Dondê nha Codê?
Não
não mataram o meu filho
que eu sei que o meu filho não morre.
(Se choro
são saudades de nha Codê...)
Nha Codê vive
na evocação de um mundo distante
no riso e no choro das ervas rasteiras
na solidão dos campos
nas pândegas de marinheiros
na vida que nasce e morre
em cada dia que passa!...
...E em mim
essa saudade de nha Codê!
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Poemas
Jorge Tufic
I
Amo arrumar palavras. Porque sei
que há traças percorrendo
em rios os papéis.
Coisa difícil é dar. Difícil
como saber se damos quando damos
ou tiramos quando tiramos.
Mas as traças são cegas.
Cega a vontade de morrer
mais cega a de escrever.
Palavras são sangue, mesmo
as que gravadas sem propósito.
E ninguém mais do que as traças
sabe disso.
II
Ouvi um chamado distante,
sem voz. Em seguida a surpresa
de assistir à queda de um ovo
pintado com as cores do arco-íris.
─ Algum anjo brincalhão
Querendo tirar barrigada.
Depois outro ovo e mais outro,
tantos, de tantas cores,
que ao chegar em meu quarto
estava transfigurado. Decerto
não atendi ao chamado da poesia...
III
O poeta vai pela rua.
Ninguém está vendo o poeta
porque o poeta é transparente.
O poeta atravessa a ponte
o poeta desfolha a rosa
o poeta contempla o mar.
Ninguém está vendo o poeta.
Mas duvido que ninguém sinta
a sua presença abstrata.
I
Amo arrumar palavras. Porque sei
que há traças percorrendo
em rios os papéis.
Coisa difícil é dar. Difícil
como saber se damos quando damos
ou tiramos quando tiramos.
Mas as traças são cegas.
Cega a vontade de morrer
mais cega a de escrever.
Palavras são sangue, mesmo
as que gravadas sem propósito.
E ninguém mais do que as traças
sabe disso.
II
Ouvi um chamado distante,
sem voz. Em seguida a surpresa
de assistir à queda de um ovo
pintado com as cores do arco-íris.
─ Algum anjo brincalhão
Querendo tirar barrigada.
Depois outro ovo e mais outro,
tantos, de tantas cores,
que ao chegar em meu quarto
estava transfigurado. Decerto
não atendi ao chamado da poesia...
III
O poeta vai pela rua.
Ninguém está vendo o poeta
porque o poeta é transparente.
O poeta atravessa a ponte
o poeta desfolha a rosa
o poeta contempla o mar.
Ninguém está vendo o poeta.
Mas duvido que ninguém sinta
a sua presença abstrata.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Dabacuri – amazônica 12
Zemaria Pinto
casebre de palha
plantado à margem do rio
– pobreza e silêncio
o som da fúria –
saúvas trabalhando
na tarde ensolarada
casebre de palha
plantado à margem do rio
– pobreza e silêncio
o som da fúria –
saúvas trabalhando
na tarde ensolarada
terça-feira, 27 de abril de 2010
Invernal
Michele Pacheco
Vento norte é vento forte.
O pingo pinga terra quente.
Água pura, a chuva no solo
derrama, vira lama, o tempo
esfria e esquenta, esquenta e esfria.
A chuva reinventa, renova, refaz
paisagem sofrida ninguém queria mais.
Tempo de cheia, o inverno
faz brotar o banco de sementes
deste rico solo pobre.
Tons verdes, natureza viva.
Ora sol aquece, neblina o pico.
Ora chuva cai, congela neblina.
O clima maluco, caduco, insano
sustenta a Amazônia...
com seu eco endêmico.
Sábio traz o inverno, freia o verão.
A antítese certamente
nos, acompanhará
na próxima estação.
Vento norte é vento forte.
O pingo pinga terra quente.
Água pura, a chuva no solo
derrama, vira lama, o tempo
esfria e esquenta, esquenta e esfria.
A chuva reinventa, renova, refaz
paisagem sofrida ninguém queria mais.
Tempo de cheia, o inverno
faz brotar o banco de sementes
deste rico solo pobre.
Tons verdes, natureza viva.
Ora sol aquece, neblina o pico.
Ora chuva cai, congela neblina.
O clima maluco, caduco, insano
sustenta a Amazônia...
com seu eco endêmico.
Sábio traz o inverno, freia o verão.
A antítese certamente
nos, acompanhará
na próxima estação.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Estante do tempo
Tempestade maravilhosa
Paulo Monteiro de Lima (1925-1951)
Como está negro o céu da minha terra!
Que raios! Que trovões! Que vento aflito!...
Toda a tragédia universal se encerra
Neste pedaço enorme do infinito!...
O soluço nostálgico do vento
Roçando com furor pelo telhado,
Traz o eco terrível do lamento
Oriundo da dor de um condenado.
No farfalhar tristíssimo das folhas
Perpassa um sentimento pavoroso!...
A água que no esgoto corre em bolhas
Produz um marulhar quase assombroso!...
O uivo dos cachorros vagabundos
Confunde-se co’a voz da tempestade
E tem-se a impressão que trinta mundos
Pretendem desabar sobre a cidade...
....................................................
No meu quarto pequeno – onde a janela
Com toda precaução, vive fechada –
Soluça de pavor a minha bela,
Quase nua – na cama debruçada.
Eu vendo os seus contornos primorosos
E notando-lhe o arfar dos alvos seios,
Aperto-a nos meus braços carinhosos,
Procurando salvá-la dos receios.
Nesse instante, porém, um trovão forte
Reboa majestoso nas alturas
E ela, de nervoso, no transporte
Me aperta, mergulhada em formosuras.
E então, num frenesi maravilhoso,
– Sem mancha, sem pecado e sem cinismo –
Me beija, me procura e, quase em gozo,
Se deixa dominar pelo histerismo.
Aperto-a nos meus braços docemente...
Confundem-se no amor, nossos cabelos...
A voz da tempestade – agora ausente –
Não chega a perturbar nossos desvelos.
Dir-se-ia que ali, entre os amantes,
A sombra da loucura se encontrava.
As bocas se roçavam delirantes...
E o espectro da luxúria gargalhava.
Agora só se ouve o arfar dos peitos...
Palavras muito mal balbuciadas...
Suspiros assaz longos e imperfeitos...
Promessas pelo gozo entrecortadas.
...................................................
O espasmo chega ao fim. Neste momento
A carne saciou todo o desejo.
A formosa mulher solta um lamento
Ainda suplicando a luz de um beijo.
Depois, formosamente, ela adormece
E eu digo, ao contemplar-lhe a formosura:
– Meu Deus! esta mulher é a meiga prece
Rezada pela boca da natura!
Ó tempestade! Ó deusa dos espaços!
Redobra o teu furor bravo e profundo!
Pois quando esta mulher me está nos braços,
Eu me sinto mais forte do que o mundo!
Paulo Monteiro de Lima (1925-1951)
Como está negro o céu da minha terra!
Que raios! Que trovões! Que vento aflito!...
Toda a tragédia universal se encerra
Neste pedaço enorme do infinito!...
O soluço nostálgico do vento
Roçando com furor pelo telhado,
Traz o eco terrível do lamento
Oriundo da dor de um condenado.
No farfalhar tristíssimo das folhas
Perpassa um sentimento pavoroso!...
A água que no esgoto corre em bolhas
Produz um marulhar quase assombroso!...
O uivo dos cachorros vagabundos
Confunde-se co’a voz da tempestade
E tem-se a impressão que trinta mundos
Pretendem desabar sobre a cidade...
....................................................
No meu quarto pequeno – onde a janela
Com toda precaução, vive fechada –
Soluça de pavor a minha bela,
Quase nua – na cama debruçada.
Eu vendo os seus contornos primorosos
E notando-lhe o arfar dos alvos seios,
Aperto-a nos meus braços carinhosos,
Procurando salvá-la dos receios.
Nesse instante, porém, um trovão forte
Reboa majestoso nas alturas
E ela, de nervoso, no transporte
Me aperta, mergulhada em formosuras.
E então, num frenesi maravilhoso,
– Sem mancha, sem pecado e sem cinismo –
Me beija, me procura e, quase em gozo,
Se deixa dominar pelo histerismo.
Aperto-a nos meus braços docemente...
Confundem-se no amor, nossos cabelos...
A voz da tempestade – agora ausente –
Não chega a perturbar nossos desvelos.
Dir-se-ia que ali, entre os amantes,
A sombra da loucura se encontrava.
As bocas se roçavam delirantes...
E o espectro da luxúria gargalhava.
Agora só se ouve o arfar dos peitos...
Palavras muito mal balbuciadas...
Suspiros assaz longos e imperfeitos...
Promessas pelo gozo entrecortadas.
...................................................
O espasmo chega ao fim. Neste momento
A carne saciou todo o desejo.
A formosa mulher solta um lamento
Ainda suplicando a luz de um beijo.
Depois, formosamente, ela adormece
E eu digo, ao contemplar-lhe a formosura:
– Meu Deus! esta mulher é a meiga prece
Rezada pela boca da natura!
Ó tempestade! Ó deusa dos espaços!
Redobra o teu furor bravo e profundo!
Pois quando esta mulher me está nos braços,
Eu me sinto mais forte do que o mundo!
domingo, 25 de abril de 2010
Minha pátria é minha língua
Encruzamento de linhas
Felipe de Oliveira (1891-1933)
Núcleo de convergência no bojo da noite oval.
Lanterna Verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada)
Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado.
Felipe de Oliveira (1891-1933)
Núcleo de convergência no bojo da noite oval.
Lanterna Verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada)
Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado.
sábado, 24 de abril de 2010
Poesia em tradução
As Ondinas
Heinrich Heine (1797-1856)
Beijam as ondas a deserta praia;
Cai do luar a luz serena e pura;
Cavaleiro na areia reclinado
Sonha em hora de amor e de ventura.
As ondinas, em nívea gaze envoltas,
Deixam do vasto mar o seio enorme;
Tímidas vão, acercam-se do moço,
Olham-se e entre si murmuram: “Dorme!”
Uma – mulher enfim – curiosa palpa
De seu penacho a pluma flutuante;
Outra procura decifrar o mote
Que traz escrito o escudo rutilante.
Esta, risonha, olhos de vivo fogo,
Tira-lhe a espada límpida e lustrosa,
E apoiando-se nela, a contemplá-la
Perde-se toda em êxtase amorosa.
Fita-lhe aquela namorados olhos,
E após girar-lhe em torno embriagada,
Diz: “Que formoso estás, ó flor da guerra,
Quanto te eu dera por te ser amada!”
Uma, tomando a mão ao cavaleiro,
Um beijo imprime-lhe; outra, duvidosa,
Audaz por fim, a boca adormecida
Casa num beijo à boca desejosa.
Faz-se de sonso o jovem; caladinho
Finge do sono o plácido desmaio,
E deixa-se beijar pelas ondinas
Da branca lua ao doce e brando raio.
(Trad. Machado de Assis)
Heinrich Heine (1797-1856)
Beijam as ondas a deserta praia;
Cai do luar a luz serena e pura;
Cavaleiro na areia reclinado
Sonha em hora de amor e de ventura.
As ondinas, em nívea gaze envoltas,
Deixam do vasto mar o seio enorme;
Tímidas vão, acercam-se do moço,
Olham-se e entre si murmuram: “Dorme!”
Uma – mulher enfim – curiosa palpa
De seu penacho a pluma flutuante;
Outra procura decifrar o mote
Que traz escrito o escudo rutilante.
Esta, risonha, olhos de vivo fogo,
Tira-lhe a espada límpida e lustrosa,
E apoiando-se nela, a contemplá-la
Perde-se toda em êxtase amorosa.
Fita-lhe aquela namorados olhos,
E após girar-lhe em torno embriagada,
Diz: “Que formoso estás, ó flor da guerra,
Quanto te eu dera por te ser amada!”
Uma, tomando a mão ao cavaleiro,
Um beijo imprime-lhe; outra, duvidosa,
Audaz por fim, a boca adormecida
Casa num beijo à boca desejosa.
Faz-se de sonso o jovem; caladinho
Finge do sono o plácido desmaio,
E deixa-se beijar pelas ondinas
Da branca lua ao doce e brando raio.
(Trad. Machado de Assis)
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Circences (fragmento)
Alckmar Santos
Em tudo se intromete o tempo, e o viço
Que em nós já coloria a face, agora
Já dana o corpo e entrega, sem demora,
A carne ao pó, e a alma a todo abismo.
É quase certa a dor, e o sempre olvido
Imprime essas suas marcas e atordoa,
Pois que nascemos todos em má hora
– É a vida que vivemos só ruído! –
Se a morte é ela, então, esse espetáculo
Que temos de montar sem mais vontade,
Enquanto o mais das gentes, todos pábulos,
Dão vivas e mais vivas com alarde,
Que seja então um circo em que, bem alto,
Se dê a ouvir a voz de quem se evade!
Em tudo se intromete o tempo, e o viço
Que em nós já coloria a face, agora
Já dana o corpo e entrega, sem demora,
A carne ao pó, e a alma a todo abismo.
É quase certa a dor, e o sempre olvido
Imprime essas suas marcas e atordoa,
Pois que nascemos todos em má hora
– É a vida que vivemos só ruído! –
Se a morte é ela, então, esse espetáculo
Que temos de montar sem mais vontade,
Enquanto o mais das gentes, todos pábulos,
Dão vivas e mais vivas com alarde,
Que seja então um circo em que, bem alto,
Se dê a ouvir a voz de quem se evade!
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Entre cemitério e última classe
Milton Hatoum
Entre cemitério e última classe
há uma diferença motriz:
um é plano jazigo e só gira
com todos os vivos da Terra e suas tumbas.
Enquanto o porão, com seu espaço casulo, gira
no ritmo da Terra e, ainda, com a fluência da água.
Porão e túmulo jamais serão um único frasco.
O porão poderá ser tumulto
ou redoma de ossos falatórios.
Redoma, lugar hemisfério
onde se enxerga fora – longe do leme – o celeste.
Ou lugar que desfia, tecendo ao inverso,
destelhando o sono do homem
que já córrego, não mais será mistério.
Entre cemitério e última classe
há uma diferença motriz:
um é plano jazigo e só gira
com todos os vivos da Terra e suas tumbas.
Enquanto o porão, com seu espaço casulo, gira
no ritmo da Terra e, ainda, com a fluência da água.
Porão e túmulo jamais serão um único frasco.
O porão poderá ser tumulto
ou redoma de ossos falatórios.
Redoma, lugar hemisfério
onde se enxerga fora – longe do leme – o celeste.
Ou lugar que desfia, tecendo ao inverso,
destelhando o sono do homem
que já córrego, não mais será mistério.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
poema de todas as ausências
from ginsberg/to dedé (ou vice-versa)
ar-condicionado
diamante risca o vinil,
um poema de ginsberg sobre poetas suicidados
não há torquato – pronome pessoal intransferível
não ana c. – pássaro de nuvens céu cinza copacabana:
lua sobre bourbon street – brilhando ouro cabelo
ferrão – esta noite
blues chorosos, canções, verão, mãe eu
concorrerei à presidência,
oh! darling
e o poeta enlouqueadormecido pela mescalina
apodrece diante do espelho
seu crânio calvo, seus lábios
chupadores de caralhos, sua
vida inútil de lavador de
pratos e analista de dados
da parede pendem poemas, pôsteres de
guevara e joplin, retratos
de carol e baudelaire,
além de um falso van gogh
na estante, entre miríades de sonhos e sons,
marcianos loucos materializam
suas fantasias de luzes
fosforescentes
mas nada disso me vale porra nenhuma
se você não está aqui!
terça-feira, 20 de abril de 2010
Presença
Alvaro Smont
Era
uma criança
brincava
no mundo dos pequenos.
O tempo passou...
viu -se uma ponte
chegou o momento
de enfrentar a travessia.
Ao olhar para o abismo
sem coragem pra seguir
com medo de cair
agora clamo!
Foi aí
que alguém segurou minha mão
direcionou-me
apontou os horizontes.
No momento que errei
abraçou-me!
No momento que chorei
consolou-me!
Suprimiu as lacunas de tristeza
fez-me sorrir.
Quando mais precisei
fez-se presente.
Era
uma criança
brincava
no mundo dos pequenos.
O tempo passou...
viu -se uma ponte
chegou o momento
de enfrentar a travessia.
Ao olhar para o abismo
sem coragem pra seguir
com medo de cair
agora clamo!
Foi aí
que alguém segurou minha mão
direcionou-me
apontou os horizontes.
No momento que errei
abraçou-me!
No momento que chorei
consolou-me!
Suprimiu as lacunas de tristeza
fez-me sorrir.
Quando mais precisei
fez-se presente.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Estante do tempo
Triste viajor sem fé
Jonas da Silva (1880-1947)
Triste viajor sem fé, companheiro dos párias,
Velejando ao Jardim de Hespérides mirífico,
Embora o procureis no Atlântico ou no Pacífico
Não no vereis jamais nas ondas solitárias...
Para o alcançardes, vede: há mil forças contrárias;
É passada a monção – o mar brando e magnífico.
A um temporal como este – um maremoto horrífico,
Foi-se a Atlântida: só há Cabo Verde e as Canárias!
Os tempos não são mais a Argonautas propícios;
Pã ainda não voltou; não há mais Endimiões;
Breve o sol morrerá: nem zênites nem solstícios...
Por castigo, talvez, de empresa assim quimérica
Argos e Héspero vêem-se entre as constelações
E Colombo é o infeliz Argonauta da América!...
Jonas da Silva (1880-1947)
Triste viajor sem fé, companheiro dos párias,
Velejando ao Jardim de Hespérides mirífico,
Embora o procureis no Atlântico ou no Pacífico
Não no vereis jamais nas ondas solitárias...
Para o alcançardes, vede: há mil forças contrárias;
É passada a monção – o mar brando e magnífico.
A um temporal como este – um maremoto horrífico,
Foi-se a Atlântida: só há Cabo Verde e as Canárias!
Os tempos não são mais a Argonautas propícios;
Pã ainda não voltou; não há mais Endimiões;
Breve o sol morrerá: nem zênites nem solstícios...
Por castigo, talvez, de empresa assim quimérica
Argos e Héspero vêem-se entre as constelações
E Colombo é o infeliz Argonauta da América!...
domingo, 18 de abril de 2010
Minha pátria é minha língua
Soneto do desmantelo azul
Carlos Pena Filho (1929-1960)
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
Carlos Pena Filho (1929-1960)
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
sábado, 17 de abril de 2010
Poesia em tradução
Calma e silêncio
Georg Trakl (1887-1914)
Pastores enterraram o sol na floresta nua.
Um pescador puxou
A lua do lago gelado em áspera rede.
No cristal azul
Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou curva a cabeça em sono purpúreo.
Mas sempre comove o voo negro dos pássaros
Ao observador, santidade de flores azuis.
O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.
De novo anoitece a fronte em pedra lunar;
Um rapaz irradiante
Surge a irmã em outono e negra decomposição.
(Trad.: Claudia Cavalcanti)
Georg Trakl (1887-1914)
Pastores enterraram o sol na floresta nua.
Um pescador puxou
A lua do lago gelado em áspera rede.
No cristal azul
Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou curva a cabeça em sono purpúreo.
Mas sempre comove o voo negro dos pássaros
Ao observador, santidade de flores azuis.
O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.
De novo anoitece a fronte em pedra lunar;
Um rapaz irradiante
Surge a irmã em outono e negra decomposição.
(Trad.: Claudia Cavalcanti)
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Poema ao itabirano
Ronaldo Cagiano
Lutaste com a palavra,
eis tua luta mais sã.
No entanto,
estás mais vivo
a cada manhã.
Lutaste com a palavra,
eis tua luta mais sã.
No entanto,
estás mais vivo
a cada manhã.
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade,
Ronaldo Cagiano,
Sexta-feira
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Elegia do adeus
Tenório Telles
Este canto é para celebrar
não a tua ausência
ou o teu corpo silencioso,
frágil e despovoado de sonhos.
Este canto é para celebrar
o que deixaste plantado
no coração dos amigos,
dos familiares e filhos:
nos jardins de todos
que te quiseram bem.
Este canto é para celebrar
teu coração generoso
e o menino que o habitava
– que resistia a ficar grande
com a casmurrice dos adultos.
Caminhante dessas r(o)tas,
cumpriste a travessia:
carregando no peito a delicadeza das flores
e no ser, sonhos que, como pássaros,
fugiram para longe – e te acompanham
nessa que será a viagem definitiva
dessa travessia feita de perdas,
de dores, sonhos, de anseios
que poderiam ter sido...
– flores caídas no bosque da existência.
Aqui jaz teu corpo,
que como um passarinho
abatido pela sorte inglória,
acolhe a ternura e a proteção
dos que te acompanharam
e choram tua partida.
O que fica de ti
é essa lembrança
de saudade e dor.
O que fica de ti
é o testemunho de uma vida
feita de simplicidade e trabalho.
O que fica de ti
é a delicadeza e humanidade
dos versos que nasceram das tuas mãos.
O que fica de ti
é a gratidão de todos
que aprenderam contigo
o milagre da criação:
de dar forma ao informe
de dar vida ao inefável.
O que fica de ti
são as grandes janelas
da velha casa
onde tua mãe te ensinou
a sonhar e brincar com as cores do arco-íris.
A mesa onde ensinavas
a magia das cores aos teus alunos
e recebias com pão e vinho os amigos.
A velha máquina onde imprimias tuas palavras
– agora silenciosa e órfã dos teus sentimentos,
do teu poder de encantamento.
Vai bom amigo e cumpre
com a coragem e serenidade habituais
essa última imposição do destino.
Que a tua chegada à outra margem
desse mar de náufragos
seja tranquila e que o ventos
protetores te conduzam.
O que levas é o que deixas:
tua poesia,
as cores com que enalteceste a vida,
os teus amigos.
Deixas especialmente
teu exemplo de bondade.
Vai em paz, bom amigo.
Em mim fica o testemunho
da tua passagem
por este mundo
– precário mundo:
deserto de esquecimento,
cidadela da solidão,
jardim de silêncio
– de lírios brancos
– de rubras rosas
– de agudos cardos:
Em que somos matéria e sonho,
sangue e poesia: forma em construção.
Para Anisio Melo
Este canto é para celebrar
não a tua ausência
ou o teu corpo silencioso,
frágil e despovoado de sonhos.
Este canto é para celebrar
o que deixaste plantado
no coração dos amigos,
dos familiares e filhos:
nos jardins de todos
que te quiseram bem.
Este canto é para celebrar
teu coração generoso
e o menino que o habitava
– que resistia a ficar grande
com a casmurrice dos adultos.
Caminhante dessas r(o)tas,
cumpriste a travessia:
carregando no peito a delicadeza das flores
e no ser, sonhos que, como pássaros,
fugiram para longe – e te acompanham
nessa que será a viagem definitiva
dessa travessia feita de perdas,
de dores, sonhos, de anseios
que poderiam ter sido...
– flores caídas no bosque da existência.
Aqui jaz teu corpo,
que como um passarinho
abatido pela sorte inglória,
acolhe a ternura e a proteção
dos que te acompanharam
e choram tua partida.
O que fica de ti
é essa lembrança
de saudade e dor.
O que fica de ti
é o testemunho de uma vida
feita de simplicidade e trabalho.
O que fica de ti
é a delicadeza e humanidade
dos versos que nasceram das tuas mãos.
O que fica de ti
é a gratidão de todos
que aprenderam contigo
o milagre da criação:
de dar forma ao informe
de dar vida ao inefável.
O que fica de ti
são as grandes janelas
da velha casa
onde tua mãe te ensinou
a sonhar e brincar com as cores do arco-íris.
A mesa onde ensinavas
a magia das cores aos teus alunos
e recebias com pão e vinho os amigos.
A velha máquina onde imprimias tuas palavras
– agora silenciosa e órfã dos teus sentimentos,
do teu poder de encantamento.
Vai bom amigo e cumpre
com a coragem e serenidade habituais
essa última imposição do destino.
Que a tua chegada à outra margem
desse mar de náufragos
seja tranquila e que o ventos
protetores te conduzam.
O que levas é o que deixas:
tua poesia,
as cores com que enalteceste a vida,
os teus amigos.
Deixas especialmente
teu exemplo de bondade.
Vai em paz, bom amigo.
Em mim fica o testemunho
da tua passagem
por este mundo
– precário mundo:
deserto de esquecimento,
cidadela da solidão,
jardim de silêncio
– de lírios brancos
– de rubras rosas
– de agudos cardos:
Em que somos matéria e sonho,
sangue e poesia: forma em construção.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Dabacuri – amazônica 11
Zemaria Pinto
terra caída –
ilhas à deriva,
rio abaixo
as terras caídas
navegam rumo ao mar
– última viagem
terra caída –
ilhas à deriva,
rio abaixo
as terras caídas
navegam rumo ao mar
– última viagem
terça-feira, 13 de abril de 2010
Uma só palavra
Célio Cruz
Rasgo o véu da dor
com uma só palavra
tenra temperada
de tempo e suor
forjada na treva
cantiga de cego
no vão do Universo
a palavra grávida
de sonhos e amores
a palavra lâmina
que me dilacera
e descobre seus
propícios caminhos
precipícios d’alma
a palavra gênese
de cores e nomes
a palavra cândida
que rompeu o silêncio
mas não totalmente
e me acaricia
seu tropel de bossa.
Rasgo o véu da dor
com uma só palavra
tenra temperada
de tempo e suor
forjada na treva
cantiga de cego
no vão do Universo
a palavra grávida
de sonhos e amores
a palavra lâmina
que me dilacera
e descobre seus
propícios caminhos
precipícios d’alma
a palavra gênese
de cores e nomes
a palavra cândida
que rompeu o silêncio
mas não totalmente
e me acaricia
seu tropel de bossa.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Estante do tempo
Vendaval de sonhos
Anisio Mello (21/06/1927-11/04/2010)
A solidão que envolve esta minhalma errante
Na cratera sem luz do último poder
É a mesma catacumba que a sorrir triunfante
Há de levar-me um dia à glória do não ser.
Eu vivo sempre assim: sorriso agonizante,
Sem poder encarar esta alegria de ter
A dulce compreensão de um ideal de instante
Num vendaval de sonhos que deixei nascer...
O ideal não morre e cada dia prospera
Na múltipla visão de quem paciente espera
O fruto do porvir que é verdadeiro e são.
Solitária visão de tudo que me envolve,
A vida é sempre assim, e ela por si resolve
As mágoas do viver que atingem o coração...
Anisio Mello (21/06/1927-11/04/2010)
A solidão que envolve esta minhalma errante
Na cratera sem luz do último poder
É a mesma catacumba que a sorrir triunfante
Há de levar-me um dia à glória do não ser.
Eu vivo sempre assim: sorriso agonizante,
Sem poder encarar esta alegria de ter
A dulce compreensão de um ideal de instante
Num vendaval de sonhos que deixei nascer...
O ideal não morre e cada dia prospera
Na múltipla visão de quem paciente espera
O fruto do porvir que é verdadeiro e são.
Solitária visão de tudo que me envolve,
A vida é sempre assim, e ela por si resolve
As mágoas do viver que atingem o coração...
domingo, 11 de abril de 2010
Minha pátria é minha língua
Eu amo o gênio
Tobias Barreto (1839-1889)
Eu amo o gênio, cujo raio esplêndido
Tirou-me o pranto no pungir da dor;
Há sempre um gozo no correr das lágrimas,
Há sempre um riso no murchar da flor...
Vê-se no templo se elevar o incenso
Puro, expressivo que se queima aí;
E Deus aspira o matinal perfume
D’etéreas flores que espalhou em ti...
Quando, sublime de sofrer, um’alma
Rompe dos prantos o sombrio véu,
São glórias tuas, virginais desmaios,
Quedas de rosas nos jardins do céu.
E quem não sente clarear o sonho,
A ideia santa dum viver melhor?
E as harmonias dum amor que torna
A fronte altiva, o coração maior?
Na voz dos mares, na expressão dos ventos
Há um mistério de fazer pensar...
Nas forças d’alma, no poder do gênio
Há um segredo que me faz chorar...
Tobias Barreto (1839-1889)
Eu amo o gênio, cujo raio esplêndido
Tirou-me o pranto no pungir da dor;
Há sempre um gozo no correr das lágrimas,
Há sempre um riso no murchar da flor...
Vê-se no templo se elevar o incenso
Puro, expressivo que se queima aí;
E Deus aspira o matinal perfume
D’etéreas flores que espalhou em ti...
Quando, sublime de sofrer, um’alma
Rompe dos prantos o sombrio véu,
São glórias tuas, virginais desmaios,
Quedas de rosas nos jardins do céu.
E quem não sente clarear o sonho,
A ideia santa dum viver melhor?
E as harmonias dum amor que torna
A fronte altiva, o coração maior?
Na voz dos mares, na expressão dos ventos
Há um mistério de fazer pensar...
Nas forças d’alma, no poder do gênio
Há um segredo que me faz chorar...
sábado, 10 de abril de 2010
Poesia em tradução
Síntese
Gottfried Benn (1886-1956)
Noite silenciosa. Casa silenciosa.
Mas sou a mais calma estrela,
Eu também produzo luz própria
Além dos limites de minha noite.
Cerebralmente, voltei para casa
De infernos, céus, lixo e gado
E também o que se concede à mulher
É obscura e doce masturbação.
Revolvo o mundo. Agonizo a presa.
E depois dispo-me na alegria:
Não há morte, nem pó malcheiroso
Que me leve, eu-conceito, de volta ao mundo.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
Gottfried Benn (1886-1956)
Noite silenciosa. Casa silenciosa.
Mas sou a mais calma estrela,
Eu também produzo luz própria
Além dos limites de minha noite.
Cerebralmente, voltei para casa
De infernos, céus, lixo e gado
E também o que se concede à mulher
É obscura e doce masturbação.
Revolvo o mundo. Agonizo a presa.
E depois dispo-me na alegria:
Não há morte, nem pó malcheiroso
Que me leve, eu-conceito, de volta ao mundo.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Sorvo de ti
Liana Timm
Antes
eu tratava de sair
assim
laboratório de metais
sem flores
e máscara de carne
E tratava
de rondar no breu
o desamanhecer
fiel a esse tipo ausente
onde tudo é nada ou quase
onde não importa é chave
clave moderato
Antes
eu velava olhos
pele
embrulhava corpo alma
numa refratária competência
sempre sóbria
Hoje
ao invés de opaca
cintilo
como humana criatura
entre teus dedos
Rasgo as instruções
os resguardos
e tomo como minha
a tua boca
na desordem
dos momentos de fome
Sorvo de ti
a luz que prova
interminável
o desejo de amantes
que amam
como não sabiam
Hoje o coração avermelhado
antes quieto de anemia
jorra
arde e não se sacia surpresa
diante deste misterioso ato
de embriaguês
diante de um despudorado fato
que parece
na minha vida não cabia
Antes
eu tratava de sair
assim
laboratório de metais
sem flores
e máscara de carne
E tratava
de rondar no breu
o desamanhecer
fiel a esse tipo ausente
onde tudo é nada ou quase
onde não importa é chave
clave moderato
Antes
eu velava olhos
pele
embrulhava corpo alma
numa refratária competência
sempre sóbria
Hoje
ao invés de opaca
cintilo
como humana criatura
entre teus dedos
Rasgo as instruções
os resguardos
e tomo como minha
a tua boca
na desordem
dos momentos de fome
Sorvo de ti
a luz que prova
interminável
o desejo de amantes
que amam
como não sabiam
Hoje o coração avermelhado
antes quieto de anemia
jorra
arde e não se sacia surpresa
diante deste misterioso ato
de embriaguês
diante de um despudorado fato
que parece
na minha vida não cabia
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Sina de Porto
Celdo Braga
Meu chão pisado de sonhos
calejou no mesmo canto.
Seco de vida, meu pranto
é espera demorada.
Canoa calafetada
com o barro do meu destino,
não venceu a correnteza
dos rios que desafiei.
Sujeito à sina de porto,
vou esgotando a canoa
– olhos d’água borbulhantes
que um dia calafetei.
Meu chão pisado de sonhos
calejou no mesmo canto.
Seco de vida, meu pranto
é espera demorada.
Canoa calafetada
com o barro do meu destino,
não venceu a correnteza
dos rios que desafiei.
Sujeito à sina de porto,
vou esgotando a canoa
– olhos d’água borbulhantes
que um dia calafetei.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
exercício nº 8
Zemaria Pinto
os ecos de setembro inda ressoam
na seda refletida em cores débeis
no manto da cidade adormecida
nos tímpanos noturnos da manhã
os gritos de setembro são vagidos
impressos em meu peito mineral
abutres e panteras concertados
na lúgubre canção das incertezas
os gestos tatuados nas retinas
são rastros que carrego como um fardo
da inútil temporada em nosso inferno
no meio bem no meio do caminho
a escolha didatiza meu fracasso
entre o sim que é não e o adeus que é sempre
os ecos de setembro inda ressoam
na seda refletida em cores débeis
no manto da cidade adormecida
nos tímpanos noturnos da manhã
os gritos de setembro são vagidos
impressos em meu peito mineral
abutres e panteras concertados
na lúgubre canção das incertezas
os gestos tatuados nas retinas
são rastros que carrego como um fardo
da inútil temporada em nosso inferno
no meio bem no meio do caminho
a escolha didatiza meu fracasso
entre o sim que é não e o adeus que é sempre
terça-feira, 6 de abril de 2010
Canção para Cielo
Rafael Marques
A ausência de som
nesta sala de hospital não emudece
a imensa flama de ternura
que se derrama do teu olhar.
Uma palavra se desprende
da boca; trará,
inevitavelmente,
misteriosa melodia...
Faz o velho vento naufragar.
Era o que Ele queria:
dilapidar travo tronco
com golpes bruscos
de martelo
e o cinzel do belo
(e da despedida)
abrisse um diamante:
tua vida.
A vida que te habitava...
Já se inundava do rio
que, numa clara manhã,
convidou-te a navegar
em seu leito de estrelas;
mas, por vezes, retornas,
imutável o teu rosto,
na travessia dos anos,
põe a mão no meu ombro.
A ausência de som
nesta sala de hospital não emudece
a imensa flama de ternura
que se derrama do teu olhar.
Uma palavra se desprende
da boca; trará,
inevitavelmente,
misteriosa melodia...
Faz o velho vento naufragar.
Era o que Ele queria:
dilapidar travo tronco
com golpes bruscos
de martelo
e o cinzel do belo
(e da despedida)
abrisse um diamante:
tua vida.
A vida que te habitava...
Já se inundava do rio
que, numa clara manhã,
convidou-te a navegar
em seu leito de estrelas;
mas, por vezes, retornas,
imutável o teu rosto,
na travessia dos anos,
põe a mão no meu ombro.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Estante do tempo
Monja
Theodoro Rodrigues (1873-1913)
Essa que foi outrora tão formosa
dama de olhar sereno e iluminado,
essa deixara a vida tormentosa,
por um triste convento abandonado.
E à noite, quando a lua misteriosa
vai pelo azul sereno e constelado,
a débil voz de sono Dolorosa
plange, como um gemido entrecortado.
É que no exul da pálida clausura
há uma pungente história de amargura
que o coração de sóror vai fanando.
...Noivos... morreu o noivo amado. Agora
a monja triste, em desespero, chora,
um retrato de lágrimas banhando...
Theodoro Rodrigues (1873-1913)
Essa que foi outrora tão formosa
dama de olhar sereno e iluminado,
essa deixara a vida tormentosa,
por um triste convento abandonado.
E à noite, quando a lua misteriosa
vai pelo azul sereno e constelado,
a débil voz de sono Dolorosa
plange, como um gemido entrecortado.
É que no exul da pálida clausura
há uma pungente história de amargura
que o coração de sóror vai fanando.
...Noivos... morreu o noivo amado. Agora
a monja triste, em desespero, chora,
um retrato de lágrimas banhando...
domingo, 4 de abril de 2010
Minha pátria é minha língua
Soneto a uma Senhora que o Autor conheceu no Rio de Janeiro e viu depois na Europa
Basílio da Gama (1741-1795)
Na idade em que eu, brincando entre os pastores,
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava,
Da mesma idade e bela como as flores.
Eu com vê-la sentia mil ardores,
Ela punha-se a olhar e não falava;
Qualquer de nós podia ver que amava,
Mas quem sabia então que eram amores?
Mudar de sítio à ninfa já convinha,
Foi-se a outra ribeira; e eu naquela
Fiquei sentindo a dor que n’alma tinha.
Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
Não se lembra ela já de que foi minha,
Eu ainda me lembro que sou dela!...
Basílio da Gama (1741-1795)
Na idade em que eu, brincando entre os pastores,
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava,
Da mesma idade e bela como as flores.
Eu com vê-la sentia mil ardores,
Ela punha-se a olhar e não falava;
Qualquer de nós podia ver que amava,
Mas quem sabia então que eram amores?
Mudar de sítio à ninfa já convinha,
Foi-se a outra ribeira; e eu naquela
Fiquei sentindo a dor que n’alma tinha.
Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
Não se lembra ela já de que foi minha,
Eu ainda me lembro que sou dela!...
sábado, 3 de abril de 2010
Poesia em tradução
Ecce Puer
James Joyce (1882-1941)
Das trevas do passado
Uma criança nasce;
Com alegria e pesar
Meu coração se divide.
Tranquila em seu berço
A vida repousa.
Que o amor e a piedade
Abram seus olhos!
Vida nova deixa marcas
No cristal;
O mundo que não foi
Vai acontecer.
Uma criança dorme:
Um velho vai embora.
Oh, pai abandonado,
Perdoa teu filho!
(Trad. Zemaria Pinto)
James Joyce (1882-1941)
Das trevas do passado
Uma criança nasce;
Com alegria e pesar
Meu coração se divide.
Tranquila em seu berço
A vida repousa.
Que o amor e a piedade
Abram seus olhos!
Vida nova deixa marcas
No cristal;
O mundo que não foi
Vai acontecer.
Uma criança dorme:
Um velho vai embora.
Oh, pai abandonado,
Perdoa teu filho!
(Trad. Zemaria Pinto)
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Forja
Paulo Colina (1950-1999)
entre uma calmaria
e outra
do mar de nossas peles
me bastaria amor cantar o fogo
que somos na nascente
de suas coxas
mas há essa dor de outros tempos
e corpos
essa rosa dos ventos sem norte
na memória sitiada da noite
embora o gesto possa ser
no mais todo ternura
o poema continua um quilombo
no coração
entre uma calmaria
e outra
do mar de nossas peles
me bastaria amor cantar o fogo
que somos na nascente
de suas coxas
mas há essa dor de outros tempos
e corpos
essa rosa dos ventos sem norte
na memória sitiada da noite
embora o gesto possa ser
no mais todo ternura
o poema continua um quilombo
no coração
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Meu menino
Dori Carvalho
por um instante, um segundo, uma centelha
no meio da madrugada solitária,
quando guardo meu menino
em meus braços desiludidos,
pequeno gigante em seu sono,
num suspiro suave e frágil
aconchega-se em meu peito,
sinto, como sentem os cristãos,
como se fosse o menino jesus
inundando minh’alma de luz,
paz, silêncio e calmaria.
e já não rio nem choro,
não sofro, não penso em mais nada.
apenas dorme um menino em meu coração.
por um instante, um segundo, uma centelha
no meio da madrugada solitária,
quando guardo meu menino
em meus braços desiludidos,
pequeno gigante em seu sono,
num suspiro suave e frágil
aconchega-se em meu peito,
sinto, como sentem os cristãos,
como se fosse o menino jesus
inundando minh’alma de luz,
paz, silêncio e calmaria.
e já não rio nem choro,
não sofro, não penso em mais nada.
apenas dorme um menino em meu coração.
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