Amigos do Fingidor

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Estante do tempo

Tempestade maravilhosa
Paulo Monteiro de Lima (1925-1951)




Como está negro o céu da minha terra!
Que raios! Que trovões! Que vento aflito!...
Toda a tragédia universal se encerra
Neste pedaço enorme do infinito!...

O soluço nostálgico do vento
Roçando com furor pelo telhado,
Traz o eco terrível do lamento
Oriundo da dor de um condenado.

No farfalhar tristíssimo das folhas
Perpassa um sentimento pavoroso!...
A água que no esgoto corre em bolhas
Produz um marulhar quase assombroso!...

O uivo dos cachorros vagabundos
Confunde-se co’a voz da tempestade
E tem-se a impressão que trinta mundos
Pretendem desabar sobre a cidade...

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No meu quarto pequeno – onde a janela
Com toda precaução, vive fechada –
Soluça de pavor a minha bela,
Quase nua – na cama debruçada.

Eu vendo os seus contornos primorosos
E notando-lhe o arfar dos alvos seios,
Aperto-a nos meus braços carinhosos,
Procurando salvá-la dos receios.

Nesse instante, porém, um trovão forte
Reboa majestoso nas alturas
E ela, de nervoso, no transporte
Me aperta, mergulhada em formosuras.

E então, num frenesi maravilhoso,
– Sem mancha, sem pecado e sem cinismo –
Me beija, me procura e, quase em gozo,
Se deixa dominar pelo histerismo.

Aperto-a nos meus braços docemente...
Confundem-se no amor, nossos cabelos...
A voz da tempestade – agora ausente –
Não chega a perturbar nossos desvelos.

Dir-se-ia que ali, entre os amantes,
A sombra da loucura se encontrava.
As bocas se roçavam delirantes...
E o espectro da luxúria gargalhava.

Agora só se ouve o arfar dos peitos...
Palavras muito mal balbuciadas...
Suspiros assaz longos e imperfeitos...
Promessas pelo gozo entrecortadas.

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O espasmo chega ao fim. Neste momento
A carne saciou todo o desejo.
A formosa mulher solta um lamento
Ainda suplicando a luz de um beijo.

Depois, formosamente, ela adormece
E eu digo, ao contemplar-lhe a formosura:
– Meu Deus! esta mulher é a meiga prece
Rezada pela boca da natura!

Ó tempestade! Ó deusa dos espaços!
Redobra o teu furor bravo e profundo!
Pois quando esta mulher me está nos braços,
Eu me sinto mais forte do que o mundo!