Para Anisio Melo
Este canto é para celebrar
não a tua ausência
ou o teu corpo silencioso,
frágil e despovoado de sonhos.
Este canto é para celebrar
o que deixaste plantado
no coração dos amigos,
dos familiares e filhos:
nos jardins de todos
que te quiseram bem.
Este canto é para celebrar
teu coração generoso
e o menino que o habitava
– que resistia a ficar grande
com a casmurrice dos adultos.
Caminhante dessas r(o)tas,
cumpriste a travessia:
carregando no peito a delicadeza das flores
e no ser, sonhos que, como pássaros,
fugiram para longe – e te acompanham
nessa que será a viagem definitiva
dessa travessia feita de perdas,
de dores, sonhos, de anseios
que poderiam ter sido...
– flores caídas no bosque da existência.
Aqui jaz teu corpo,
que como um passarinho
abatido pela sorte inglória,
acolhe a ternura e a proteção
dos que te acompanharam
e choram tua partida.
O que fica de ti
é essa lembrança
de saudade e dor.
O que fica de ti
é o testemunho de uma vida
feita de simplicidade e trabalho.
O que fica de ti
é a delicadeza e humanidade
dos versos que nasceram das tuas mãos.
O que fica de ti
é a gratidão de todos
que aprenderam contigo
o milagre da criação:
de dar forma ao informe
de dar vida ao inefável.
O que fica de ti
são as grandes janelas
da velha casa
onde tua mãe te ensinou
a sonhar e brincar com as cores do arco-íris.
A mesa onde ensinavas
a magia das cores aos teus alunos
e recebias com pão e vinho os amigos.
A velha máquina onde imprimias tuas palavras
– agora silenciosa e órfã dos teus sentimentos,
do teu poder de encantamento.
Vai bom amigo e cumpre
com a coragem e serenidade habituais
essa última imposição do destino.
Que a tua chegada à outra margem
desse mar de náufragos
seja tranquila e que o ventos
protetores te conduzam.
O que levas é o que deixas:
tua poesia,
as cores com que enalteceste a vida,
os teus amigos.
Deixas especialmente
teu exemplo de bondade.
Vai em paz, bom amigo.
Em mim fica o testemunho
da tua passagem
por este mundo
– precário mundo:
deserto de esquecimento,
cidadela da solidão,
jardim de silêncio
– de lírios brancos
– de rubras rosas
– de agudos cardos:
Em que somos matéria e sonho,
sangue e poesia: forma em construção.