Amigos do Fingidor

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Frans Floris (1516-1570)

The Judgement of Paris.

Soneto 340 – Sintético

Glauco Mattoso



De como a poesia é definida
depende a trajetória do poeta.
Qual é, pergunto, a fórmula secreta
que traça em poucas linhas uma vida?

Segundo Rilke, a lira não duvida.
Mas Eliot é turrão, e tudo objeta.
Bashô quanto mais crê menos se aquieta.
Pessoa diz que é fé na dor fingida.

Divergem tantos mestres só no tom.
Não há por que dar tratos ao bestunto:
há química no verso, não um dom.

Qualquer opinião, qualquer assunto
será, verdade ou não, poema bom
se for densa a fração, breve o conjunto.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Moritz Daniel Oppenheim (1800-1882)

Retrato de Heinrich Heine.

Federico Garcia

Rogel Samuel



Federico Garcia
       o som de uma luz trazida
       e aziaga
te cortava como lâminas
de três gritantes guitarras
       E, andaluz valente
passavas poesia no tempo

Federico Garcia
       guardas civiles de touros
e de praças
não te cobriam de pedras
       Por entre as rimas filtraram
vozes irmãs das estrelas
que trocariam contigo
       essa barca sob o sol

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Christine Lau

Nude Woman at Sunset #1.

poema com homem, mulher e flor

Zemaria Pinto




um homem atravessou correndo a rua
uma mulher deu-me adeus
uma flor brotou do chão

um idiota atravessou cantando a noite
uma mulher despiu seus véus
um louco brotou do chão

uma mulher rasgou os seios
um homem mamou seu sangue
uma flor brotou do leite

um louco morreu cheio de ódio
uma mulher grávida suicidou-se
um grito brotou do escuro

uma mulher matou um homem
uma flor suicidou-se
um louco morreu no escuro

um homem caiu na rua
uma flor brotou no chão
um seio brilhou no escuro

uma mulher brotou na rua
uma flor jorrou veneno
um homem morreu no escuro

uma mulher acenando-me
um seio jorrando sangue
um adeus

                              (1974)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ana Weiss de Rossi (1894-1953)

Título desconhecido.

Senhor de mim

Tainá Vieira



Entrego-te a minha vida, amor,
Toma o meu corpo e faz dele
Instrumento do teu desejo,
Estou a tua disposição para
Fazeres o que quiseres de mim...

Serei teu alimento nas horas
Mais inesperadas dos teus dias;
Quero ser tua bebida quando a
Sede secar-te a garganta, quando
Estiveres entediado, serei tua distração.

Minha boca calar-se-á para o mundo
Minha voz não mais será ouvida,
Pois meus lábios e minha língua
Servirão somente a ti, e pronunciarei
Apenas uma palavra: teu nome.

Meus olhos não distinguirão mais nada,
Se não for teu corpo, meus lábios sentirão
Apenas o gosto do teu beijo e meu corpo
Viverá para tuas caricias, será o instrumento
Das tuas fantasias e dos teus desejos.

Serei tua amiga, tua amante, serei
Teu anjo, guardarei tuas noites, farei
Tudo o que quiseres, beberei uísque
Com você. Serei homem nos instantes
Que precisares de um ombro amigo.

Enxugarei tuas lagrimas, quando a
Tristeza bater na tua porta, te farei
Sorrir, farei de tudo para vires teu sorriso
Brilhar mais uma vez, mas se continuares
A chorar eu beberei tuas lagrimas.

Serei tua força quando o cansaço te vencer
E quando não puderes mais caminhar
Sozinho, te conduzirei pelos meus braços:
Serei teu apoio. Privar-me-ei dos meus
Sonhos para realizar os teus.

Serei teu gozo e tua alegria, meu sexo
Jamais se cansará de desejar-te,
De querer-te todas as noites, todos
Os dias, de todos os jeitos, meu corpo
Morrerá se não sentir mais o teu calor.

Serei os cincos sentidos e os
Quatros elementos, serei a vida
Representada nas estações.
– as flores, a chuva, a neve, o calor.
Serei o universo inteiro só pra ti.

Entrego-te a minha vida, amor,
Para fazeres dela o quiseres,
Entrego-te o meu corpo, já não
Pertenço-me mais, minh’alma e
Meu coração agora pertencem a ti.

Eis-me aqui, despida como vim ao
Mundo, desprovida de sonhos, apenas
Com uma razão, servir-te. Ofereço-te
O meu corpo, minha carne, ofereço-te
Tudo a ti, que és senhor de mim.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Beth Consetta Rubel

The Birth of Venus Hottentot.

Estante do tempo

Por enquanto, não
Hemetério Cabrinha (1892-1959)




Disseram que eu morrera. Ainda é tão cedo
Para deixar em paz o velho mundo,
Onde, por entre espinhos me enveredo,
Como um simples rafeiro vagabundo.

Bem quisera eu fugir deste degredo!
Deste terrível lupanar imundo,
Onde, hoje, a vida é simplesmente o enredo
De um romance de fel e dor fecundo.

Para que viver mais, quem sobre os ombros,
A cruz da vida tem pesado tanto,
E trá-la a tropeçar por entre escombros?

Disseram que eu morrera. No entretanto,
Como um fantasma vil causando assombros
Ainda arrasto o cadáver por enquanto.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Candido Portinari (1903-1962)

Autorretrato.

Minha pátria é minha língua

Meu ser evaporei na lida insana
Bocage (1765-1805)




Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos
Saiba morrer o que viver não soube.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898)

Jeunes Filles au Bord de la Mer.

Poesia em tradução

A tela
Efraín Rodríguez Santana




Na praça há uma vaca e está amarrada
e junto à vaca aparece uma tela de televisão,
chove dentro dessa tela, é uma imagem superposta,
sentem-se a umidade e o gotejar veloz da chuva,
mas também poderia ser a película da água sobre um campo gris,
mas também poderia ser o remanso da água sobre a crista
        de uma onda,
mas também poderia ser o cristal de um aquário encostado
        ao cristal líquido da televisão.
As pessoas fugiram da praça e se refugiaram nas casas,
não querem ouvir esse borbulhar sobre as janelas e os tetos.
Não importa que a água caia sobre aquela imagem perturbadora,
como nas velhas sequências de naufrágios as cabeças aparecem
e os corpos estão cortados e as mãos se inclinam em um sentido
        e outro.
A tela não encerrará seu programa, eles estão mortos de medo,
é a praça principal do mencionado país.


(Trad.: Claudio Daniel)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Jean-Baptiste-Marie Pierre (1713-1789)

The temptation of Eve.

Descobrimento

Noémia de Souza (1926-2002)
(Ao J. Mendes)



Quando a tua mão macia e serena de branco
e estendeu fraternalmente para mim
e através Índicos de preconceitos
apertou com carinho meus dedos mulatos enclavinhados;
quando teus olhos inchados de compreensão
pousaram no mapa doloroso do meu rosto de África;
quando a piroga do teu amor e fez ao mar
e veio aportar ao meu peito ensanguentado e céptico;
ah, quando a tua voz doce e fresca como um lanho
me trouxe a bandeira branca da palavra “IRMÔ,
é que eu senti, profunda como um selo em brasa
verrumando a carne,
a força terrível e única do nosso abraço fraterno,
a inquebrantável cadeia das nossas mãos enfim juntas,
a indestrutível resistência da muralha erguida
por nossas maravilhosas juventudes unidas.

Ah, amigo, quando a tua mão certa e serena de branco
procurou o desespero da minha mão sem rumo…

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Balthasar Denner (1685-1749)

Portrait of an old woman.

Convite

Celestino Neto



vamos incensar a alma
abrir as janelas dos olhos
deixar o sol entrar

botar o bloco na rua
tomar banho de chuva
com a vida deitar e rolar

usar todos os sentidos
só não faz sentido
deixar a vida passar

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Luis Ricardo Falero (1851-1896)

Eastern Beauty.

Dabacuri – da natureza das coisas 2

Zemaria Pinto



a grama cortada

espalha um perfume novo

no velho jardim




lua minguante –

sob o teto da manhã

a passarada canta

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Charles Zacherie Landelle (1812-1908)

Algerian Girl.

Prático

Sergio Luiz Pereira
A Rogel Samuel



Não acredito em ti, olho tremido
Nem com o primeiro passo o pé direito
Nem sonho negativo por efeito
Bem ao contrário do que terá sido.

Nem muito menos o coçar sentido
Nas palmas destas mãos em meu proveito
Porque a crendices não estou sujeito
E na existência o prático é vivido.

Não acredito no meu corpo a marca
Da vã superstição se nele abarca
E move-me a caminho em que não fito.

Alheio a fatos dessa natureza
Vou calmamente sem qualquer surpresa
Crendo apenas naquilo em que acredito.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Liliana Cimini

Nascita di Venere.

Estante do tempo

Cromo
Maranhão Sobrinho (1879-1915)



Desce a tarde. Faísca o sol distante,
tingindo o céu de púrpura sagrada
e, dos montes, dourando, instante a instante,
a sinuosa e oblonga cumeada...

Do mar a face de ouro e azul plissada
faísca opalas vivas, coruscante
como um pedaço imenso da alvorada
entre as glórias e as pompas do levante!

De vez em quando, sobre a face imota
do mar, toda a fulgir de pedraria,
roça a asa de luz de uma gaivota...

E vão chegando, aos últimos fulgores
do sol que vai dourando as penedias,
longe, os barcos gentis dos pescadores...

domingo, 19 de dezembro de 2010

Guercino (1591-1666)

Diana.

Minha pátria é minha língua

O martírio do artista
Augusto dos Anjos (1884-1914)




Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

sábado, 18 de dezembro de 2010

Jules Lefebvre (1836-1911)

Truth.

Poesia em tradução

Profecia
Alfred Tennyson (1809-1892)



Porque imergi no futuro,
          até onde o olho humano pode ver,
Vislumbrei a Visão do mundo,
          e todo o encanto que podia ser;
Vi os céus cheios
          de naus, corsários, velas de magia,
Pilotos do crepúsculo
          rubro tombando em cargas de valia;
Ouvi os céus cheios de gritos,
          e lá choveu um lívido orvalhar
Das vistosas esquadras
          das nações no azul central a atacar;
Bem longe, o murmurar no mundo inteiro
          do vento sul nesse ímpeto que esquenta,
Com os emblemas dos povos
          mergulhando nos raios da tormenta;
Até que o tambor de guerra
          não soasse e bandeiras ao reverso
No Parlamento do homem,
          Federação de todo este universo.
Lá o senso comum da maioria
          suporta um febril reino em sobressalto,
E a benévola terra
          dormirá envolta em norma universal.


(Trad. José Lino Grünewald)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Evelyn de Morgan (1850-1919)

Cadmus and Harmonia.

Câmara de ecos

Waly Salomão (1943-2003)



Cresci sob um teto sossegado,

meu sonho era um pequenino sonho meu.

Na ciência dos cuidados fui treinado.


Agora, entre meu ser e o ser alheio

a linha de fronteira se rompeu.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875)

Silenus.

Gotas na vidraça

Almir Diniz



Chuvisca. Cristais líquidos descem
pelas faces polidas das vidraças
e rolam e escorregam e se esvaem
tecendo brilhos nas janelas baças.

As gotas polvilhadas recrudescem
transformadas em rocios e ameaças
e como névoa adensada caem
ou sobem a compor nuvens esparsas.

Imitando neblinas esvoaçam
e feitas nuvens úmidas perpassam
lençóis perenes de cendradas massas.

E os pingos que se alongam nos vitrais
são lágrimas de nossos ancestrais
enchendo, mansas, invisíveis taças.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Francesco Hayez (1791-1882)

Diana.

pernas que se perdem

Zemaria Pinto



pernas que se perdem

peitos que se abrem

sonhos que adormecem

dentes que se quebram

noite que me abraça

chuva que me molha


                              (1973)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

John Pitre

Michelle.

Uma aula, quase um poema (ou vice-versa)

Dedé Rodrigues


Um bom leitor é também um bom criador de experiência poética.
(Antônio Paulo Graça)

decompor o todo em partes
comer cada pedaço
buscar a Poesia no objeto
depois fazer a síntese
a análise do poema
finalmente
depositar os restos
numa página e cobri-la
para sempre

um poema não deve conter apenas
pedaços de Poesia
porque a Poesia não pode ser despedaçada
arrancada de seu todo
ter expostos os nervos
numa aula de anatomia

um poema deve ser degustado
integralmente
digerido dia após dia
até que se decomponha
circule em nossas veias
e faça parte da nossa vida

de resto não é Poesia
são rabiscos – apenas

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

William Stott (1857-1900)

Birth of Venus.

Estante do tempo

Garça feliz
Quintino Cunha (1873-1943)




Um lago, a cuja flor, nas canaranas,
Impossível, traiçoeiro, repelente,
Um jacaré assustadoramente
Estruge e tange as gárrulas ciganas.

Depois margina a sombra das oeiranas,
Vendo uma garça, sorrateiramente,
Solta-lhe a cauda e um jato de repente
D’água, desfaz-se no ar em filigranas.

E, quando morta a triste garça eu via,
Como um toque ilusório de alegria,
No coração sensível da tristeza,

Rosna perto uma onça e o monstro solta
A embiara feliz, que as asas volta
Para o bonito Céu de azul-turquesa!

domingo, 12 de dezembro de 2010

Gustave Courbet (1819-1877)

Pierre Joseph Proudhon and his children in 1853.

Minha pátria é minha língua

Inania Verba
Olavo Bilac (1865-1918)




Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?

sábado, 11 de dezembro de 2010

Jacob de Gheyn II (1565-1629)

Neptune and Amphitrite.

Poesia em tradução

Salvat Monho (1749-1821)



Baco não quer altar nem quer admiração.
Para os homens deixou somente uma instrução:
o vinho sem a água à vontade beberem,
se da morte manter-se a distância quiserem.

Se pensam que viver se reduz a existir,
felizes vamos ser e um bom gole ingerir.
Pois não sabemos como a vida prolongar,
deixemo-nos beber se o coração mandar.

Se alguém se dá ao trabalho, então não perca a vez:
o copo está vazio, pode enchê-lo outra vez.
Gozar, até esquecer o que nos aborrece
e as lembranças ruins que ninguém esquece.

Bebamos outra vez; é como sói dizer:
que dois copos depois, o terceiro é um dever.
E se esse coração no fundo ainda é triste,
talvez o quarto copo enfim o reconquiste.

 
(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Michele Desubleo (1602-1676)

Diana.

O poema

Luiza Neto Jorge (1939-1989)




                       I


Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem

falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta

e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme



                      II


Piso do poema
chão de areia

Digo na maneira
mais crua e mais
           intensa

de medir o poema
pela medida inteira

o poema em milímetro
de madeira

ou apodrece o poema
ou se ateia

ou se despedaça
a mão ateia

ou cinco seis astros
se percorre

antes que o deserto
mate a fome

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Candido Portinari (1903-1962)

Retrato de Jorge de Lima.

Jorge de Lima

Elson Farias



Jorge de Lima pousa sobre a lama
e mergulha em seu mundo o corpo todo,
seu verso é laborado com o limo
das histórias de escravos e feitores.

O espírito do pai tocou seu peito
mas as visões domaram o menino,
dominaram as mãos maduras do homem
na construção do verso buliçoso.

Donzelas nas janelas desgrenhadas
as negras cabeleiras pelas noites
de lua, luar mórbido nas telhas
das casas senhoriais abandonadas,

é o verso e o reverso dos inventos
desse Orfeu, exilado na sua ilha,
Prometeu condenado, sem saída.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Alfredo Volpi (1896-1988)

Mulata.

Dabacuri – da natureza das coisas 1

Zemaria Pinto




notícias do sol –

os pássaros da manhã

cantam na varanda




o pouso silente

da borboleta de seda

celebra a manhã

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Étienne Dinet (1861-1929)

Raoucha.

Reportar

Dâmea Mourão


A solidão é a porta aberta
para ninguém entrar.
Entra o silêncio
a pergunta
o devaneio

Entra o vento que derruba
as folhas da árvore
no quintal

Entra um espelho
de mentira
para mostrar à dona da casa
a verdade:

Os dias seguem protegidos
pelas paredes confidentes,
enquanto ela varre as folhas caídas,
limpa as janelas
e planta novas sementes

Até o momento em que a porta da casa
novamente se abre, pronta
para alguém adentrar
           - e a antiga dona partir

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ulf Malmgren

The Birth of Venus.

Estante do tempo

Águas puras... águas barrentas...
Sebastião Norões (1915-1972)





Velho Madeira a deslizar profundo
por entre margens de vermelho e verde.
Meu velho rio – amálgama de águas
verdes e brancas e vermelhas e pretas.

Que escureza e que espessura fluem
dessa caudal eternamente enorme
na estação da grande cheia.

Em meio às canaranas e árvores, as barrancas descendo
e as garças jangadeando ilhotas ambulantes.
E as madeiras trazidas pelo líquido amarasmado,
– símbolo andejo a relembrar seu nome –

Velho Madeira a digerir molente
bastas terras caídas.
Semelhando, no andar moroso e langue,
a jibóia depois que a presa tem.

Que leveza e que beleza fluem,
nas suas águas de esmeralda e opala,
na época da seca.

Não mais troncos descendo, nem barrancos boiando,
águas pequenas, num correr suave,
gaivotas mostrando a flor branca das praias
e a pureza hospedando na liquidez de sonho.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976)


Cinco Moças de Guaratinguetá.

Minha pátria é minha língua

Quando o samba acabou
Noel Rosa (1910-1937)




Lá no morro da Mangueira
Bem em frente à ribanceira
Uma cruz a gente vê
Quem fincou foi a Rosinha
Que é cabrocha de alta linha
E nos olhos tem seu “não sei quê”

Numa linda madrugada
Ao voltar da batucada
Pra dois malandros olhou a sorrir
Ela foi-se embora e os dois ficaram
Dias depois se encontraram
Pra conversar e discutir

Lá no morro uma luz somente havia
Era a lua que a tudo assistia
Mas quando acabava o samba se escondia

Na segunda batucada
Disputando a namorada
Foram os dois improvisar
E como em toda façanha
Sempre um perde e outro ganha
Um dos dois parou de versejar

E perdendo a doce amada
Foi fumar na encruzilhada
Ficando horas em meditação
Quando o sol raiou foi encontrado
Na ribanceira estirado
Com um punhal no coração

Lá no morro uma luz somente havia:
Era o sol quando o samba acabou...
De noite não houve lua, ninguém cantou...

sábado, 4 de dezembro de 2010

Carlo Maratti ou Maratta (1625-1713)

Diana and Acteon.

Poesia em tradução

Soneto a Filida
Xosé Cornide (1734-1803)




Viste, Filida amada, o passarinho
que arando desses ares pelo prado
se emaranha nas linhas, descuidado,
que astuto caçador põe no caminho?

Viste que força faz para soltar-se
e levar aos filhotes os bocados
(parte do coração, filhos amados),
que os deixara no ninho ao remontar-se?

Pois viste a quem te adora mais que a vida,
que, caído na armadilha de um disfarce,
busca aqui, busca ali uma saída

para fugir, podendo assim livrar-se
e aninhar-se seguro no teu seio,
em que chorara atento o próprio anseio.


(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Anders Zorn (1860-1920)

Potatis kitteln.

Amor século XXI

Pedro Lindoso



Escrevi um poema de amor.
Deixei-o num pen drive,
que perdi.

Tirei fotos importantes.
Deixei-as no computador.
Foram deletadas.

Fiz juras de amor,
dispersas no espaço virtual.

Muito tempo depois,
encontrei o poema,
postado por inteiro
num site de amigos.

As fotos retornaram,
por e-mail.

As juras estavam intactas.
Salvas na memória e no coração,
de um grande e real amor.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)

The Braid aka Suzanne Valadon.

Sanduíche Matinal

Astrid Cabral



Mastigam-se ao café

entre fatias torradas

jornais com pingos de sangue

jornais com furos de bala.

No portal da manhã

o sinistro sanduíche

energiza os transeuntes do dia.

(Engavetado o remorso

dos crimes bem menores)

Omissões? traições? covardias?

Transgressões mínimas.

Todos, subitamente, melhores.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Hans Baldung (1484-1545)

Adam and Eve.

meu corpo feito falo

Zemaria Pinto



meu corpo feito falo

no teu corpo

transparente

corpo

meu falo-corpo

consumindo a tua sombra

a dançar essa

macumba

no meu peito

(1974)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Paul Delaroche (1797-1856)

Innocence.

Ansiedade Dupla

Gracinete Felinto




O mar olha-me ofegante
Meus olhos ao seu ritmo,
Meus pés tocam as margens
Meu semblante modifica-se
Nesse espelho da água.

Com seu encanto enigmático
Lança sua elevada crista
E a areia é contemplada,
Minhas costas limita-se à brisa,
Beijos de suas ondas melódicas.

Minhas mãos sentem as conchas
Que vêm com anzóis
E as pego entre meus dedos
E as devolvo como parte de mim.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Paul Delvaux (1897-1994)

La Naissance de Vénus.

Estante do tempo

Saudade
Guimarães de Paula (1932-1996)





Um gosto antigo de lua

veio-me até a memória.

Aves mortas renasceram

no canto forte e metálico.

O vento trouxe os fantasmas

e os olhos riram de novo

o riso filho da infância

à aproximação de um boneco.

Tudo porque na lembrança

coisas, gestos e palavras

conservaram forma e cor.

domingo, 28 de novembro de 2010

Jean-Jacques Henner (1829–1905)

Woman on a black divan.

Minha pátria é minha língua

Poemeto erótico
Manuel Bandeira (1886-1968)




Teu corpo claro e perfeito,
– Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Quem em cantigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

sábado, 27 de novembro de 2010

Rosario Andrade


Apolo e Dafne.

Poesia em tradução

Como o touro ao deserto vai fugido
Ausiàs March (1397-1459)




Como o touro ao deserto vai fugido

se vencido por seu igual, que o força,

não volta até recuperada a força

para destruir quem o haja ofendido,

assim com me afastar de ti condiz,

pois teu gesto o meu brio tem confundido:

não voltarei até que haja vencido

tal medo que me impede ser feliz.



(Trad. Fábio Aristimunho Vargas)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Paris Bordone (1500-1571)

Venus and Cupid.

Pandemos (Soneto 1 a Afrodite Anadiómena)

Jorge de Sena (1919-1978)



Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrrica donstália penicela,
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão bolíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
lingâmicos dolins, refucarai!
Por mamivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

William Worcester Churchill (1858–1926)

 The Painter.

Poética I

Alencar e Silva



Não o poema-verso simplesmente,
mas o poema-coisa, sim: substância
inefável, sim: coisa que funcione
como relógio e o que ele preconiza.

Assim, sem asco aceito-o integral
como uma pedra ou coisa-viva incômoda
que fere e entanto dá-se em forma e gosto
à natureza que a urdiu. Poema:

eia! deserto povoado. Fruto
onde a fome espreitava a presa. Chuva
onde a sede lavrava seu incêndio.

Incessante doar-se em ponte e veículo
ao evento da coisa – corpo vivo
intato sobre as águas do poema.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ernest Normand (1859-1923)

The White Slave.

Dabacuri – amazônica 27

Zemaria Pinto




trocadilho tolo:

a lua Jaci levanta

cheia, no horizonte




lago Espelho da Lua,

conversa em volta do fogo

– plenilúnio

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Anders Zorn (1860-1920)

I Sangkammaren.

Catedrais de Vidro

Michele Pacheco



Flechas flamejantes
Chuva de fogo.
Ódio que cega.
Tempestades de pedras
No deserto sombrio.
Fria solidão.

Dilúvio de ácido
No oceano inveja.
Pobre alma.
Vendaval atônito
Pragas da ambição.
Triste mundo.

Desejada proteção
Jamais falha.
Redoma sagrada
Imaculada.
Beleza, paz
Paraíso.

Catedrais de vidro
Santuários refratários
Onde habitam
Sacerdotes de diamantes
Nas fontes balsâmicas
Do divino amor

Anjos de luz
Arcanjos que guardam
Catedrais de vidro

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Michael Satarov

Birth of Venus.

Estante do tempo

Últimos momentos de D. Quixote
Paulino de Brito (1858-1919)
                                                    
                                                     Morir cuerdo y vivir loco...
                                                                            Cervantes – El Quijote


À cabeceira o bacharel e o cura;
Sancho, todo choroso, aos pés da cama;
o barbeiro, a sobrinha e a velha ama
além um pouco, em lúgubre postura.

Despojado de lança e de armadura,
eis como aquele herói de eterna fama,
já vendo a Morte, que a terreiro o chama,
vai dar fim à sua última aventura.

Lembra-se então do tempo em que ansioso
de acometer gigantes, pavoroso
procurava-os montado em Rocinante.

Lembra e sorri: por fim reconhecera
que no mundo de anões, em que vivera,
ele só, D. Quixote, era o gigante!

domingo, 21 de novembro de 2010

Paul Delvaux (1897-1994)

Nymphs bathing.

Minha pátria é minha língua

O velho palácio
Gomes Leal (1848-1921)

                                                                  A Teófilo Braga


Houve outrora um palácio, hoje em ruínas,
Fundado numa rocha, à beira-mar...
Donde se avistam lívidas colinas,
E se ouve o vento nos pinhais pregar.
Houve outrora um palácio, hoje em ruínas...

Nesse triste palácio inabitável,
As janelas sem vidros, contra os ventos,
Batem, de noite, em coro miserável,
Lembrando gritos, uivos e lamentos.
Nesse triste palácio inabitável...

Só resta uma varanda solitária,
Onde medra uma flor que bate o norte,
Sacudida de chuva funerária,
Lavada de um luar branco de morte.
Só resta uma varanda solitária...

Como nessa varanda apodrecida,
Em minha alma uma flor também vegeta...
Toda a noite dos ventos sacudida,
Íntima, humilde, lírica, secreta.
Como nessa varanda apodrecida...

sábado, 20 de novembro de 2010

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)

Autoportrait.

Poesia em tradução

Meu Cavaleiro
José Martí (1853-1895)




De manhã cedo
meu pequerrucho
me despertava
com um grande beijo.

Logo montado
sobre meu peito
freios forjava
com meus cabelos.

Ébrios de gozo
tanto eu como ele
me esporeava
meu cavaleiro:

que suave espora
seus dois pés frescos!

E como ria
meu cavaleiro!

Como eu beijava
seus pés pequenos
dois pés que cabem
juntos num beijo!


(Trad. Henriqueta Lisboa)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Lasar Segall (1891-1957)

Figura feminina deitada.

A negra

Caetano de Costa Alegre (1864-1890)



Negra gentil, carvão mimoso e lindo
Donde o diamante sai,
Filha do sol, estrela requeimada,
Pelo calor do Pai,

Encosta o rosto, cândido e formoso,
Aqui no peito meu,
Dorme, donzela, rola abandonada,
Porque te velo eu.

Não chores mais, criança, enxuga o pranto,
Sorri-te para mim,
Deixa-me ver as pérolas brilhantes,
Os dentes de marfim.

No teu divino seio existe oculta
Mal sabes quanta luz,
Que absorve a tua escurecida pele,
Que tanto me seduz.

Eu gosto de te ver a negra e meiga
E acetinada cor,
Porque me lembro, ó Pomba, que és queimada
Pelas chamas do amor;

Que outrora foste neve e amaste um lírio,
Pálida flor do vale,
Fugiu-te o lírio: um triste amor queimou-te
O seio virginal.

Não chores mais, criança, a quem eu amo,
Ó lindo querubim,
O amor é como a rosa, porque vive
No campo, ou no jardim.

Tu tens o meu amor ardente, e basta
Para seres feliz;
Ama a violeta que a violeta adora-te
Esquece a flor-de-lis.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Bernhard Zickendraht (1854-1937)

Seifenblasen.

a metafísica é uma mocinha

Simão Pessoa



                  a metafísica é uma mocinha

muito bonita e prendada

não tivesse um caso nebuloso

com o processo ôntico do tempo

                  juro que trepava com ela

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Suzanne Valadon (1865-1938)

Femme nue à la draperie.

noturno, opus 1

Zemaria Pinto



tua sombra salta do chão
e vai além da minha cabeça

teu olho majestoso e nu
clareia o espaço em minha volta

estás nua e todo teu corpo brilha
indiferente à incandescência dos faróis
e ao gemer dos edifícios em chamas

                                                   (1974)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Paul Désiré Trouillebert (1829–1900)

La Servante du harem.

Correnteza

Laís Fernanda Borges



O rio dita o ritmo
Com suas águas,
Que nunca são as mesmas.
O rio de nossas vidas
É onipresente relógio.
Onde o conjunto
Hora,
Minuto
E segundo
Formam a correnteza
Cuja água parece a mesma,
Mas não é a que se vê agora.

Ao acabar este poema
O que você viu
Vai pertencer ao ontem:
O segundo que passou
Já virou lembrança,
Cristalizada na memória
E enterrada no coração.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Odilon Redon (1840-1916)

The birth of Venus.

Estante do tempo

A Muhuraida, Canto 6º (fragmentos)
Henrique João Wilkens (17??-18??)




Mas já na Habitação do eterno dano,
O Príncipe das Trevas, Monstro informe,
Já no Sucesso vendo todo Arcano
Da Providência Santa, deu o enorme
Sinal acostumado, que do humano
Inimigo Esquadrão, negro, disforme,
Veloz, qual pensamento, logo ouvido,
Se ajunta, na aparência, destemido.

Eia, lhes diz, briosos Companheiros!
Dignos todos de eterna, melhor sorte!
Já que igualar quisestes os primeiros,
A aquele Deus, que rege a Vida, a Morte,
Já que poder só imenso, prisioneiros
Fazer-vos pode, e por Barreira forte,
O imenso espaço por, que daqui dista
Ao Céu, que já se nega à nossa Vista.

Os olhos levantai, vede essas Feras,
(Pois serem racionais, só a forma indica)
Já quase a substituir-nos nas Esferas
Celestes destinadas; já publica
Veloz a Fama, conjecturas meras,
Que só a credulidade justifica.
Mas temo, desprezada esta aparência,
Se realize a ruína co’evidência.

Ide pois precaver a contingência,
Não se perca da Presa a melhor parte;
As luzes lhe ofuscai da inteligência,
Empenhe-se Valor, destreza, e Arte.
Não se atribua nunca a Negligência
O desprezo do Aviso, pois reparte
O injusto Fado com desigualdade,
Poder, Ventura, e infelicidade.

Qual de Etna, ou de Vesúvio vasta entranha,
Fermentando indigesta Massa ardente,
Da repleção efeito, arroja estranha,
Temível, larga, ignífera Torrente;
No trânsito impetuoso quanto apanha
A cinzas reduzindo; indiferente
À dura penha, à flor, Jardim vistoso,
Casal humilde ou Povo numeroso.

Do Império assim das Trevas vai saindo,
Qual Torrente a Coorte, em Chama em volta;
O denso fumo os Ares já cobrindo,
Pestífero vapor, intenso solta.
Nas vastas Regiões se difundindo
Vai do Amazonas, Infernal Escolta;
Dos Átomos parece a qualidade
Neles se identifica, e quantidade.

(...)

Já aflitos, pensativos, despertando,
De ideia tal enfim preocupados;
Só mortes e vinganças respirando,
Já lhes tardava os ver executados.
Mas o Anjo Tutelar, que vigiando
Estava, e lamentando os enganados,
Armado do poder do Onipotente,
Tudo faz que se mude de repente.

Inspira a todos novo ardor, desejo,
De discernir o engano, e a verdade;
Ao Tentador infame, e seu Cortejo,
Sepulta na infeliz eternidade.
Faz, que ao rancor, universal festejo,
Entre os Muhras se siga, a brevidade
Do Embarque se procure; realizados
O fim proposto, os meios desejados.

domingo, 14 de novembro de 2010

Edward Burne-Jones (1833-1898)

The Mirror of Venus.

Minha pátria é minha língua

Retrato
Cecília Meireles (1901-1964)



Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?

sábado, 13 de novembro de 2010

Agnolo Bronzino (1503-1572)

Allegorical Portrait of Dante.

É tão gentil e tão honesto o ar

Dante Alighieri (1265-1321)



É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.

Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.

Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.

E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”



(Trad. Ivo Barroso)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Jules Lefebvre (1836-1911)

Diana surprised.