Amigos do Fingidor

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Poesia no porta-retratos

Antonio Miranda
Para Anderson Braga Horta


I


Sempre
quase sempre
(nem sempre...)
eu me vejo ridículo
escrevendo poemas.

Mais ridículo ainda
lendo-os, relendo-os
infinitamente.

A poesia tornou-se um exercício
maneirista, narcisista, preciosista
masoquista e, para quebrar a rima
um precipício
um verdadeiro estropício
um hospício a céu aberto.

Uma espécie de autoflagelação
ou de endeusamento
sem qualquer encantamento
ou absolvição: a negação da negação.


II


Ferreira Gullar, por exemplo
colocou o poema no liquidificador
na sua Luta Corporal.

Tristan Tzara, o dadaísta
usou a tesoura porque não havia
a máquina picotadora
e saiu fazendo colagem de letras
em arquiteturas indecifráveis.

Mallarmé lançou seus dados ao azar
E. E. Cummings construiu edifícios verbais
e Sousândrade violentou a gramática
enquanto Bilac cinzelava versos
e J. G. de Araújo Jorge acaramelava
os amores imaginários.
Antes, Bécquer elevava-os em seu andores.

Mais perto de nós, Nikolas von Behr
ventríloquo pelo umbigo
faz discurso libertário
rebeldia em verso livre, e de livro.

Tem ainda a iconoclastia de Leminski
a hipocondria de Manuel Bandeira
e a ecclesia dos irmão Campos
com o concretista Pignatari
na tradição do novo
na renovação.

Tradição do novo é conceito sartreano.
Bem podia ser pernambucano!


III


Eu me reconheço
medíocre
e apelo para as musas defuntas
ou aposentadas.

A poesia é um caminho viciado
ou é inovação e criação
(nunca inspiração)
e o poeta queima as próprias roupas
incinera as vãs convicções, crenças
deserta do mundo e suas ideologias
e destrói a própria torre de marfim
seu último refúgio.

E não sabe o que fazer
com a própria liberdade.