Rio Negro
Paulino de Brito (1858-1919)
Na terra em que eu nasci, desliza um rio
ingente, caudaloso,
porém triste e sombrio;
como noite sem astros, tenebroso;
qual negra serpe, sonolento e frio.
Parece um mar de tinta, escuro e feio:
nunca um raio de sol, vitorioso
penetrou-lhe no seio;
no seio, em cuja profundeza enorme,
coberta de negror,
habitam monstros legendários, dorme
toda a legião fantástica do horror!
Mas, dum e doutro lado,
nas margens, como o quadro é diferente!
Sob o dossel daquele céu ridente
dos climas do equador,
há tanta vida, tanta,
ó céus! e há tanto amor!
Desde que no horizonte o sol é nado
até que expira o dia,
é toda a voz da natureza um brado
imenso de alegria;
e voa aquele sussurrar de festas,
vibrante de ventura,
desde o seio profundo das florestas
até as praias que cegam de brancura!
Mas o rio letal,
como estagnado e morto,
arrasta entre o pomposo festival
lentamente, o seu manto perenal
de luto e desconforto!
Passa – e como que a morte tem no seio!
Passa – tão triste e escuro, que disséreis,
vendo-o, que ele das lágrimas estéreis
de Satanás proveio;
ou que ficou, do primitivo dia,
quando ao – “faça-se!” – a luz raiou no espaço,
esquecido, da terra no regaço,
um farrapo do caos que se extinguia!
Para acordá-lo, a onça dá rugidos
que os bosques ouvem de terror transidos!
Para alegrá-lo, o pássaro levanta
voz com que a própria penha se quebranta!
Das flores o turíbulo suspenso
manda-lhe eflúvios de perene incenso!
Mas debalde rugis, brutos ferozes!
Mas debalde cantais, formosas aves!
Mas debalde incensais, mimosas flores!
Nem cânticos suaves,
nem mágicos olores,
nem temerosas vozes
o alegrarão jamais!... Para a tristeza
atroz, profunda, imensa, que o devora,
nem todo o rir que alegra a natureza!
nem toda a luz com que se enfeita a aurora!
Ó meu rio natal!
Quanto, oh! quanto eu pareço-me contigo!
eu, que no fundo do meu ser abrigo
uma noite escuríssima e fatal!
Como tu, sob um céu puro e risonho,
entre o riso, o prazer, o gozo e a calma,
passo entregue aos fantasmas do meu sonho,
e às trevas de minh’alma!