O corvo e a raposa
La Fontaine (1621-1695)
É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado,
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.
Pelo faro àquele sítio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:
“Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fénix, se acaso
Tens a voz como a figura!”
A tais palavras o corvo
Com louca estranha afouteza,
Por mostrar que é bom solfista
Abre o bico, e solta a presa.
Lança-lhe a mestra o gadanho,
E diz: “Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.
Esta lição vale um queijo,
Tem destas para teu uso.”
Rosna então consigo o corvo,
Envergonhado e confuso:
“Velhaca! Deixou-me em branco,
Fui tolo em fiar-me dela;
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.”
(Trad. Bocage)