Amigos do Fingidor

sábado, 16 de janeiro de 2010

Poesia em tradução

O corvo e a raposa
La Fontaine (1621-1695)

É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado,
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.

Pelo faro àquele sítio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:

“Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fénix, se acaso
Tens a voz como a figura!”

A tais palavras o corvo
Com louca estranha afouteza,
Por mostrar que é bom solfista
Abre o bico, e solta a presa.

Lança-lhe a mestra o gadanho,
E diz: “Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.

Esta lição vale um queijo,
Tem destas para teu uso.”
Rosna então consigo o corvo,
Envergonhado e confuso:

“Velhaca! Deixou-me em branco,
Fui tolo em fiar-me dela;
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.”


(Trad. Bocage)