Amigos do Fingidor

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Flechas

Romyne Novoa



Calçadas e paralelepípedos seguem pelo passeio
de portos que se abrem ao despojo de amigos.
Espectros falam e dançam.
Já não há mais festa no cabaré, mas ainda se sente
o cheiro de dinheiro queimando enquanto
descortina-se o cenário do funeral de Manaus...

Os sinos dobram na igreja do santo revolucionário
que agoniza as dores das flechas,
numa expressão cansada de luta e de revolta,
sendo ele então o primeiro a assistir ao último filme
de um diretor falido...

E o féretro prossegue timidamente pela praça.
Somente os pombos o acompanham.
O vento apagou as velas levantando a poeira
que se esconde sutil por entre trilhos asfaltados.
Como se o público do teatro deixasse os camarotes para,
chorando, participar do adeus a um ente querido...

Agora, a cúpula esconde a noite em meio ao contraste do caos.
O cheira-cola, o travesti e a prostituta choram como quem ri.
E tudo segue sua dialética, mesmo tendo
que comer do outro, vivo, as vísceras...

Sinos dobram dolorosamente.
Poucas mãos carregam a madeira mórbida.
E as lágrimas que escorrem são somente as das velas que,
apiedadas, voltaram a acender.
Mas até que o soldado apareça com a revolução,
inspirado naquele que olha da igreja,
ainda haverá quem escarre na lápide contra a ressurreição,
mesmo que se troque a dieta das vísceras pela das flores...