Ao Sonho
Pietro Bembo (1470-1547)
Sonho, que docemente me hás furtado
à morte, e do meu mal me deste olvido,
de que porta de céu, nobre e polido,
desceste a consolar um desgraçado?
Qual anjo há sobre mim o olhar pousado,
que à minha causa foste assim movido
e trouxeste evasão ao meu estado,
que sem ti não na houvera conseguido?
Bendito, pois bendito me fizeste:
que as asas não te levem tão depressa
a não me tolher logo o que me deste.
Volta ao menos por onde agora vais:
dá-me provar ventura igual a essa
que já fora de ti não sinto mais.