Amigos do Fingidor

sábado, 11 de julho de 2009

Poesia em tradução

II Bucólica – Aléxis
Virgílio (70-19 a.C.)


Córidon, o pastor, ardia pelo belo Aléxis,
delícias de seu dono, mas não tinha o que esperar.
Apenas frenquentava as faias densas, de sombrias
copas, junto das quais lançava aos montes e florestas,
com vã paixão, sozinho, estes lamentos mal cuidados:

“Não prestas atenção, cruel Aléxis, nos meus cantos?
Não tens pena de nós? Assim acabarei morrendo.
Agora até os rebanhos buscam o frescor e as sombras;
agora escondem-se nas sarças os lagartos verdes,
e, para os ceifadores que o calor esfalfa, Téstilis
ervas de cheiro antigo esmaga com serpilho e alho.
Contudo, enquanto os rastros eu te sigo ao sol ardente,
soam comigo os arvoredos, roucos de cigarras.
Não seria melhor sofrer as iras aflitivas
e os soberbos desprezos de Amarílis? Ou Menalcas,
moreno embora seja ele, quando tu és alvo?
Não te fies demais nas cores, ó menino belo:
caem as brancas alfenas, colhem-se os murtinhos negros.
Tu me desprezas, nem indagas quem sou eu, Aléxis,
quantos rebanhos tenho, quanto leite cor de neve;
erram nos montes da Sicília as minhas mil cordeiras;
não me falta no estio leite fresco, nem no inverno;
eu canto o que cantava habitualmente Anfião de Dirce
no atiço Aracinto, se chamava os seus rebanhos.
E não sou feio assim: vi-me na praia há pouco tempo,
com o mar tranquilo sob o vento: não receio Dáfnis,
sendo tu mesmo o juiz, se não enganam as imagens.

“Oh!, se quisesses tão-somente repartir comigo
uma choupana humilde em pobre campo, flechar veados,
levar cabritos, em rebanho, ao verde malvaísco!
Junto comigo, imitarás cantando Pã nas selvas.
Pã ensinou-nos a ligar com cera várias canas,
Pã cuida dos rebanhos e dos guias dos rebanhos.
Não te aborreças de esfregar os lábios nessa frauta;
para outro tanto conhecer, que não fazia Amintas?
De sete tubos desiguais, pertence-me uma frauta
que Dametas me deu, em dias idos, de presente,
dizendo-me ao morrer: “Agora és o segundo a tê-la.”
Dametas disse, e Amintas, o insensato, teve inveja.
Dois cabritos também, que achei em vale não seguro,
ainda têm na pele manchas brancas, e por dia
secam dois ubres de uma ovelha, guardo-os para ti.
Algum tempo já faz que Téstilis os quer levar,
e os levará, que te repugnam os presentes nossos.

“Vem para cá, belo menino; as Ninfas para ti
trazem cestas de lírios; para ti a branca Náiade
colhe violetas pálidas, também papoulas altas,
e narcisos lhes junta, e a perfumada flor do aneto;
então tecendo-os com a lauréola e outras ervas suaves,
orna os murtinhos tenros com os tegetes amarelos.
E frutos brancos, de lanugem branda, eu colherei,
e essas castanhas que a Amarílis minha tanto amava;
ameixas cor de cera juntarei, assim honrando-as;
e colher-te-ei, ó louro, e próximo de ti porei
o mirto: juntos, misturais vossos odores suaves.

“Córidon, és um tonto! Aléxis foge a teus presentes,
e, se lutares com presentes, poderás com Iolas?
Ah, mísero, que fiz? Lancei perdido o Austro nas flores,
e javalis eu atirei nas fontes transparentes.
De quem foges, demente? Os deuses habitaram selvas,
e Páris, o dardânio. More Palas nos baluartes
que ela fundou; antes que tudo agradem-nos as selvas.
De olhar feroz, a leoa busca o lobo; o lobo, a cabra;
a cabra amiga de brincar busca o florido cítiso;
Córidon a ti, Aléxis: cada qual com o seu prazer.
Vê: o arado suspenso ao jugo puxam-no os novilhos,
e o sol a decair duplica as sombras que se alongam.
Contudo ardo de amor; que meio-termo tem o amor?

“Córidon, Córidon, ah que demência te tomou?
Semipodada tens a vide no frondoso olmeiro;
por que antes não preparas algo que faz falta ao uso,
entretecendo o vime e, a par, o junco tão flexível?
Se Aléxis te desdenha, encontrarás um outro Aléxis.”

(Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos)