Amigos do Fingidor

domingo, 12 de julho de 2009

Minha pátria é minha língua

Dois poemas para Virgílio


Herança
Henriqueta Lisboa (1904-1985)

Ouso à sombra de Dante ao meu Virgílio
oferecer louvor com tal ternura
que me estremece a voz ao casto idílio.

Quem mergulhou um dia na leitura
do magno poeta vem transfigurado
de uma consciência límpida e madura.

Todo o valor do tempo no passado
volve de novo em raios convergentes
à lembrança de lume radicado.

Tudo emerge no plano do presente
– pronto, cálido e nítido – pelo ato
que é promessa de vida permanente.

A cada circunstância o termo exato
dá testemunho da alma que está presa
à contínua experiência do recato.

Esse conhecimento da beleza
junto à simplicidade quase rude
já sobreleva os dons da natureza.

Clássico sereníssimo! Que o estude,
sempre, alguém, à noção de que é mister
entregar-se ao destino em plenitude

a maneira de Eneias para obter
a expressão que transcende esse destino
e é dádiva de sangue a outro ser.

O verbo humano, então, se faz divino.


Soneto a Virgílio
Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)

Nesta hora em que o mundo em desespero
Busca os fundos e ásperos abismos,
Como é suave consolo às almas tristes
Ouvir a tua voz humana e eterna!

Poeta de alma tão pura e olhar tão doce,
Cantor das almas simples e saudáveis,
Pai de Eneias, o herói piedoso e esquivo,
E dessa Dido, cujo drama ainda

Aos nossos corações tanto enternece.
Cristão antes de Cristo, a quem sentiste
Nas entranhas de um tempo inatingido.

Poeta e cantor da Paz, alma sensível,
Dá-nos do teu Amor as claras lágrimas
Para conforto de tão duras penas.