Amigos do Fingidor

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Visão de Antônio Frederico de Castro Alves numa tarde de maio na rua do Lima

Luiz Carlos Duarte



Depois do mar, o cume das espumas,
Flutuantes espumas da memória
Rasgando o bojo do negreiro imundo.

Antônio Frederico eu te revejo,
O verbo ardente paira permanente
Nesta rua que amaste naufragado
Nos lábios e nos braços de Eugênia.

Tudo é lenda, tudo, nesta hora:
A mesma rua caminho e tua glória
Rebrilha na vidraça da janela,
Na cal das paredes, nada mais.

Uma placa de bronze te assinala,
Um cão vadio urina no asfalto,
Uma menina passa, uma menina
E teu canto me chega lá do alto,
O teu canto me chega luz e paz.

Adormece, Antônio, do teu sono
Estrelas fulgurantes iluminam
O sublime destino do teu povo,
De quem cativo foste, e a liberdade,
Por ti clamada em Deus e agonia,
Agora em nuvens rubras transformou-se.

Depois do mar, no cume das espumas,
Dorme teu sono, Antônio Frederico:
Aqui, comigo, sei: é tarde.
Mas o verbo refaz a liberdade
Nas imagens brotando ao fim da tarde
E nas mãos em trabalho permanece.
E não se esvai, não parte: prevalece,
Na multidão se amplia e se refaz.