Amigos do Fingidor

domingo, 16 de maio de 2010

Minha pátria é minha língua

Fragmentos sobre Heleura
Sousândrade (1833-1902)




Desde a noite funérea, de tristeza
Heleura está doente. Ara, morrendo,
Nunca perdera as cores do semblante,
Um formoso defunto: “vivo! vivo!”
Gritava a filha p’ra que o não levassem:
“Vivo! vivo!” Prenúncios maus, diziam.
Mas para Ut era crença que, dos túmulos,
Corvos de Odin mandando pelo mundo,
Os mortos melhor cumprem seu desígnios.
Ora, a chorar no tum’lo (Ia, em violetas
Mudada pelo amor), perpétuas meigas
Tornara-se Ut-allah, que o amortalharam.

Fundo silêncio estava dia e noite
Na sombria mansão: de longe em longe,
Como rasgam-se as brisas açoitadas
Por vergônteas, manhãs d’esto, etérea aura
Parecia chamando: Heleura!… Heleura!…
Que ela escutava; e nuns baixinhos ecos
A febre arremedando: He – lê – u – rous…
Heliéiou-urion… Súbito saltava,
Pesar d’Ut e as Armênias vigilantes,
E as seráficas fraldas apanhando,
Nuzinhos pés, a rir toda, irradiava
No aposento a estelífera carreira
Atalanta de luz. E viam nela
A luzente visão dos cintilados
Limões de luz, de luz níveos triângulos
Nessa da cal mortal brancura, o rosto,
O riso, a boca, os olhos brancos, brancos:
E o maternal diamante em pó desfeito
Que vivifica ao cândido diamante,
Torna-a ao leito Ut-allah: “Heleura! Heleura!”

                      ***

                   Heleura

Mirou-se toda; uma áspide a mordera,
Ela o sentiu; fugiu para o aposento
Alcatifado de cravina e de ouro
E onde sonhos levianos não entravam,
Cheiro sentindo de jacintos, vendo
Lábios-luz, verdejantes laranjeiras,
Flores-noivas grinaldas agitando
Sobre um abismo venturoso, em vagas
Como espelhos levando-a, combanidas,
À cristalina limpidez, reférvida
A epiderme num fosfor’ luminoso -
Triângulos! triângulos! Semíramis!
A alvura e o sentimento! anéis da trança,
Quando as faces beijavam-lhe, incendiam.
……………………………………………………….

                     ***

                       Porém, já prontinha
Co’as alvoradas estava Heleura, vendo:
Alta amarela estrela brilhantíssima;
Cadentes sul-meteoros luminosos
Do mais divino pó de luz; véus ópalos
Abrindo ao oriente a homérea rododáctila
Aurora! e ao cristalino firmamento
Cygni – esse par de sóis unidos sempre,
Invisíveis; e que ela via claros
Dadas mãos, em suas órbitas eternas
Qual num lago ideal as belas asas
Por essa imensidade………………