Amigos do Fingidor

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Estante do tempo

Flor de pedra
Heliodoro Balbi (1876-1918)
Ó voi ch’avete gl’intelletri sani
Mirate la dottrina che s’ascende
Sotto il velame delli versi strani.
Dante


Esta, por ser talhada em pedra fria,
Talvez, senhora, menos vos agrade,
– Talhou-a o fogo ideal da fantasia
No mármore pagão da egrégia Helade.

Um dia o artista, olhando um bloco, sente
A alva cisma dos sonhos a segui-lo,
E, sem pensar, alucinadamente,
Pega do bloco e crava-lhe o anfismilo.

Primeiro, a mão nervosa rasga e aviva
O traço, que o circunda e cinge em torno,
E vê, pasmado, a curva de uma ogiva
Na branca cinzeladura de um contorno.

De novo o bloco escinde e, pontilhando
O centro, ergue o pistilo à luz radiosa,
E exulta, ao ver um sol agonizando
No áureo cariz de um cinto de rosa...

Além, já solta a fibra, o caule desce
Sutil, rolando em balbucio de onda,
E, entre pompas, viceja e transfloresce –
O mais rijo do bloco se arredonda.

Aí, brunindo a aresta branca e lisa
Das folhas (que as talhara iguais a trevo),
Levanta a mão, graciosamente, e frisa
A linha dos relevos num relevo.

E salta à luz, estonteante e presa
Da brancura do mármore risonho,
A flor, que encerra em si toda a beleza
Das nevroses do céu e ânsias do sonho...

– Losna ou meimendro, venenosa ou santa,
Flor! carquísio da vida e urna da morte
(Exclama), teu primor meu braço espanta...
Nunca meu braço mais a pedra corte.

Mas, furioso, o artista nesse instante
Quebra a flor e do mármore renega,
Pois não lhe dera a natureza amante
O estuoso aroma da giesta grega.

A flor de pedra é como o verso: toma
O supremo lavor que o fere e anima,
Mas neste, o sentimento é como o aroma:
Foge rindo e cantando à flor da rima.

Pedis, senhora, um canto... e o plectro firo.
Quero a emoção suprema na beleza...
Por isso o plectro despedaço e atiro
Ao céu o grito de – ÓDIO À NATUREZA!