Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O sermão da selva (IV)

Max Carphentier


Bem-aventurados os que sustam o avanço dos desertos,
domando a areia e apascentando as dunas
com a flauta inumerável de árvores urgentes
que frutificam em paz e as cidades protegem
e mitigam de chuva os caminhos de fogo.
Bem-aventurados os que socorrem a fauna sacrificada
e salvam da extinção cantos indispensáveis,
belos saltos de cor, imponências felinas
e todas as claras provisões de ternura animal
que a magnífica fonte espalhara na selva.

Bem-aventuradas as mãos que multiplicam o verde e os verdes
movimentos do caule erguendo-se da terra,
e os longos círculos de sonho em que a flor se transfigura,
em que o fruto se entrega e em que as folhas resistem
na úmida e dadivosa sinergia.

Bem-aventurados os que cultivam e os que repartem as lendas,
filhas da solidão dos remos peregrinos,
das sombras que de noite andam de medo em medo
as redes embalando à luz das lamparinas.
Porque lenda é mensagem, e a selva sempre soube
que, além de alma e matéria, o homem é sonho.
Bem-aventurados todos os que antes da revelação eletrônica
já se comunicavam com as plantas, já as sentiam
e com elas partilhavam da luz e da emoção,
e as respeitam assim nessa comunidade da selva.

Bem-aventurados os que em lei, verso, vontade,
na retorta, na prece e na palavra
a selva defenderem e seus mistérios lerem
e fundarem a sua paz na paz da selva.
Porque o Reino será desses, daqueles que cumprirem
o destino de Deus neste transido
mundo que nos suporta enquanto o temos.


DEO GRATIAS