Amigos do Fingidor

terça-feira, 13 de julho de 2010

Tempo tempo

João Sebastião



A ti que não te dás tempo
vou te dizer sobre o tempo.

O presente é uma invenção
fadada a virar passado
a cada instante que passa.

O futuro, uma promessa
nunca dantes realizada
somatório de presentes
transmudados em passado.

E o passado, como passa?
O passado se repete
se reparte acumulado
em cada dobra de tempo
em cada lençol dobrado.

O passado se repete
nem sempre com o mesmo brilho
no choro de nossos filhos
nas histórias que se contam
nas contas que se recontam
nos contos de faz-de-conta.

Se repete feito farsa
às vezes, feito tragédia
mas quase sempre é comédia
a dividir nossas vidas
porque viver é mais nada
que nadar contra essa onda
que nos maltrata e consome
de procurar ser feliz.

E o que pouca gente sabe:
a felicidade é um grão
perdido pelo salão
abarrotado de vícios.

Grão de messe, grão de posse
ser feliz é uma ilusão
encantamento, magia
deve ter parte com o demo
pois dá uma puta alegria
despudorado tesão
parece até carnaval.

E a carne, fraca, possessa
de sorriso escancarado
despe a máscara que o tempo
engessou-lhe sobre a face
e vê-se então o que há por baixo:
um sorriso renovado
fresco, doce, quase ingênuo
de um tempo de ser feliz
que todos nós conhecemos
um pouco antes ou além
nalgum lugar do passado.