Amigos do Fingidor

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Amazonas

Celdo Braga

A Thiago de Mello


O rio se banha de luz
murmureja e vai seguindo
de porto em porto esculpindo
as margens do seu destino

Destino de ser caminho
de ser barco e navegante
de ser leme e comandante
do seu próprio caminhar

Canaranas, matupás
membecas e murerus
são ilhas de arribação
no regime das enchentes

Nas vazantes borda praias
onde o rito da desova
aninha nos tabuleiros
tartarugas tracajás

E no ciclo das areias
a vida eclode apressada
pra ser de novo tocada
pelo compasso do rio

Quantas vezes este rio
brincou comigo de pira
lavou roupas nas beiradas
foi a fonte do meu pão...

Em silencio e solitário
vai vencendo desafios
se envereda em paranás
bebe as águas de outros rios

Guarda os segredos dos lagos
se embrenha nos igapós
sabe notícia da mata
na boca do igarapé

Ao desfolhar a paisagem
de imagens já distantes
dos primeiros navegantes
acordando o seu silêncio

O rio acende memórias
de lendas de encantamentos
fragmentos de mistérios
que borbulham do seu leito

Carrega todos os sonhos
do olhar das ribanceiras
que se enche de esperança
ao ver o barco passar

Sempre que um gesto impensado
tolda as águas mancha a vida
o rio geme lá no fundo
a ferida que já sangra

O sol míngua no poente
brisa mansa maresia
o rio se aquieta e dorme
em noturna romaria

No amanhecer ainda brilha
a luz dos últimos astros
que à noite se banharam
no firmamento do rio

Rio de saber, santuário
onde os pajés, os sacacas
em mirações milenares
beberam da sua luz

Luz de versos que caminham
alumiando os barrancos
que choram terras caídas
à procura de outro de outro chão

Com jeito de cobra grande
o rio das águas barrentas
rumo leste busca o mar
talvez para se perder
talvez para se encontrar