Zemaria Pinto
o sonho que te sonhei
na noite em que não ligaste
começou num pesadelo:
te procurava assaltado
buscando por toda parte
por vielas escondidas
barrancos enlameados
barracos tão desdentados
que pareciam sorrir
escarnecendo de mim
– me vi perdido entre sombras
entre sombras que vivi
as mesmas que te guardavam
quando perdi-me de ti
no sonho que te sonhava
as lâminas rebrilhavam
sem nenhuma simetria
forjando um balé infame
de ritos cotidianos
e o sangue que o chão marcava
pelas trilhas do caminho
eram sinais decifrados
de sacrifícios inúteis
a um Deus sacrificado
– tentei gritar mas o grito
ecoou dentro de mim
a solidão de um vagido
no silêncio absoluto
quando por fim te encontrei
num leve vestido branco
entre o vasto plenilúnio
e a manhã dos girassóis
meu corpo se uniu ao teu
e o corpo com que sonhei
deixou de ser corpoenigma
com seus cheiros, com seu gosto
de mel e sal entranhados
na pele dos meus sentidos
(– no sonho me desencontro
do desencanto da vida
tecendo em tons de delírio
esta balada falida)