Amigos do Fingidor

domingo, 11 de outubro de 2009

Minha pátria é minha língua

Dois impossíveis
Laurindo Rabelo (1826-1864)


Jamais! quando a razão e o sentimento
Disputam-se o domínio da vontade,
Se uma nobre altivez nos alimenta
Não se perde de todo a liberdade.

A luta é forte: o coração sucumbe
Quase nas ânsias do lutar terrível;
A paixão o devora quase inteiro,
Devorá-lo de todo é impossível!

Jamais! a chama crepitante lastra,
Em curso impetuoso se propaga;
Lancem-lhe embora prantos sobre prantos,
É inútil, que o fogo não se apaga.

Mas chega um ponto em que lhe acena o ímpeto,
Em que não queima já, mas martiriza,
Em que tristeza branda e não loucura
À razão se sujeita e se harmoniza.

É nesse ponto de indizível tempo,
Onde por misterioso encantamento,
O sentir à razão vencer não pode,
Nem a razão vencer ao sentimento.

No fundo de noss’alma um espetáculo
Se levanta de triste majestade:
Se de um lado a razão seu facho acende
Do outro os lírios seus planta a saudade.

Melancólica paz domina o sítio,
Só, da razão o facho bruxuleia,
Quando por entre os lírios da saudade
Do zelo semimorto a serpe ondeia!

Dois limites então na atividade
Conhece o ser pensante, o ser sensível:
Um impossível – a razão escreve,
Escreve o sentimento outro impossível!

Amei-te! os meus extremos compensaste
Com tanta ingratidão, tanta dureza,
Que assim como adorar-te foi loucura,
Mais extremos te dar fora baixeza.

Minh’alma nos seus brios ofendida
De pronto a seus extremos pôs remate,
Que, mesmo apaixonada, uma alma nobre,
Desespera-se, morre, não se abate.

Pode queixar-se inteira f’licidade
De teu olhar de fogo inextinguível,
Acabar minha crença, meu futuro,
Aviltar-me? jamais! É impossível!

Mas a razão, que salva da baixeza
O coração depois de idolatrar-te,
Me anima a abandonar-te, a não querer-te:
Mas a esquecer-te, não: sempre hei de amar-te!

Porém amar-te desse amor latente,
Raio de luz celeste e sempre puro
Que tem no seu passado o seu presente,
E tem no seu presente o seu futuro;

Tão livre, tão despido de interesse,
Que para nunca abandonar seu posto,
Para nunca esquecer-te, nem precisa
Beber, te vendo, vida no teu rosto;

Que, desprezando altivo quantas graças
No teu semblante, no teu porte via,
Adora respeitoso aquela imagem
Que delas copiou na fantasia.