Paulo César Pinheiro
Foi depois de cruzar todo o oceano,
De chapéu, borzeguim e arcabuz,
Que pisava no chão de Santa Cruz
O aventureiro povo lusitano.
Veio junto com ele o africano,
Com seus cantos e danças e tabus,
Mestiçando-se, aqui, com os índios nus
Que cruzaram com o branco desumano.
Todos eles tocavam, todo ano,
Atabaques, violas e bambus.
Terra bela de araras e tucanos,
Capivaras e antas e tatus,
Papagaios, macacos e nhambus,
E outros tantos milhares de bichanos,
Fascinando zulus e alentejanos,
Sob um sol tropical de céus azuis.
E eram jongos, torés e caxambus
Pra afastar a tristeza e os desenganos,
Cantos religiosos e profanos,
Atabaques, violas e bambus.
Era duro o trabalho cotidiano
Com os negros cortando os babaçus,
Índios caçando as pacas e os jacus,
Sob o chicote do branco tirano,
Mas por cima de todo e qualquer dano
Os escravos chamavam seus vudus,
Com seus sambas e seus maracatus,
Capoeira, ijexá, coco praiano,
Esse som primitivo e quase insano,
Atabaques, violas e bambus.
Caravelas chegando, a todo pano,
Com gente arrebanhada em randevus,
Só demônios, satãs e belzebus,
Toda a corja pior do subumano,
Matador de aluguel, ladrão, cigano,
Pra cruzar por aqui os seus Exus
Com Iracemas, Cecis, Paraguaçus,
Alastrando doenças de mundano,
Tudo no ritmo afro-brasiliano,
Atabaques, violas e bambus.
Se vestiam no mato, salvo engano,
Os crioulos de bata e camisus,
os nativos de penas de ajurus,
invasores de bota a meio-cano,
Pra regalo do rei palaciano
Que, distante, lotava os seus baús,
Mas nas serras os uirapurus
Entoavam seu canto soberano,
Até mesmo pondo em segundo plano
Atabaques, violas e bambus.
Estou quase ficando veterano,
E ao Brasil já estou fazendo jus.
Todos esses poemas que eu compus,
Cada vez mais por eles eu me ufano.
Sou filho de um caboclo paraibano,
Macho da terra dos mandacarus,
E, era minha mãe, que deu-me à luz,
Filha de um pescador, rei do oceano.
Quer, portanto, meu canto, em vez de piano,
Atabaques, violas e bambus.