Amigos do Fingidor

sábado, 27 de junho de 2009

Poesia em tradução

Se vejo folha e flor e fruto
Arnaut Daniel (1150?-1200?)


Se vejo folha e flor e fruto
fazer das árvores dossel
e o som agudo ou breve escuto
de rãs no rio e aves ao léu,
logo me enfolha e enflora e enfruta o Amor
e a noite para mim é mais comprida
enquanto aos outros dorme, pousa e amorna.

Amor me leva ao seu reduto,
ao seu castelo mais fiel,
sem exigir renda ou tributo,
pois me faz rei em vez de réu
da fortaleza de que é o senhor,
que por fidelidade é defendida,
a fé protege e a cortesia orna.

Amor, abrigo te reputo
de altas virtudes. Teu anel
já não refugo nem refuto,
que amar me sabe como mel.
Por isso conto com o teu favor
para colher a flor mais escolhida
da aura da aurora à hora que retorna.

É tão veraz, tão absoluto
o Amor que me leva ao céu,
que erros ou males não discuto,
não temo o falso com seu fel
nem dou ouvido ao vil adulador,
pois amo e me ama a minha preferida
e maldizer algum já me transtorna.

Falar não me parece arguto
nem proclamá-lo no papel.
Ela é tão bela que eu reluto
em pintá-la com meu pincel.
Tanta esperança dobra o seu valor.
A quem mais vale, a vida já duvida,
quando não é nem amarga nem morna.

Amar assim não sabe o astuto
cortejador mau e infiel,
que a flor do Amor cobre de luto
com sua fala de ouropel.
Mas eu, que sou legítimo amador,
posso fluir em paz, por toda a vida,
de Amor só meu, que em ninguém mais sojorna.

Vai ter, canção, a essa bela flor
e dize-lhe que Arnaut apaga e olvida
todo outro amor por ela que te adorna.

(Trad. Augusto de Campos)