Amigos do Fingidor

sábado, 13 de junho de 2009

Poesia em tradução

Oração para Marilyn Monroe
Ernesto Cardenal


Senhor
recebe a esta garota conhecida em toda a terra pelo nome de Marilyn Monroe
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã violada ao nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido se matar)
e que agora vem à Tua presença sem nenhuma maquilagem
sem a sua Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa igreja
(segundo a versão do Time)
diante duma multidão prostrada com a cabeça ao chão
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar nas cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
e muito mais do que isso ainda...
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo dos focos de luz)
Mas o templo não são os estúdios da 20th Century-Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo
em que está o Filho do Homem com um chicote na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
– o de nossas próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a Senhor e perdoa-nos
pela nossa 20th Century
por esta Colossal Superprodução em que todos trabalhamos.

Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos tranquilizantes,
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Lembra-te Senhor de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem – insistindo em maquilar-se em cada cena –
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.

Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra
interpreta e arquiva.

Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos
descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagam os refletores!
e desmontam as paredes da alcova (era um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno
porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em Cingapura, um baile no Rio
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.

O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que diz: WRONG NUMBER
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!

(Trad. Paulo de Carvalho Neto)