Benayas Inácio Pereira
Ufa! Demorou, mas até que enfim, eu morri.
Aposto que foi da perversa enxaqueca.
Sabia que um dia ela me levaria daqui.
Eis-me agora aqui nesta despedida seca.
Têm pessoas chegando de todas as alçadas.
Até algumas que eu nem conheço.
Chegam, olham-me tristes, desoladas,
Depois se aconchegam na sala em que pereço.
Já me banharam. Deram-me o melhor terno.
As horas passam. Não aguento mais tanto pesar.
As velas e os cravos cheiram mal no inverno.
E eu estático, sem ao menos poder chorar.
Na cozinha tem gente contando piada.
Daqui ouço as gargalhadas, mas nem ligo.
É até bom que durante esta longa noitada,
Haja festa e abraço de algum velho amigo.
Agora quase todos tomam chá ou café.
Na bandeja; bolachas, sanduíches, balas de anis.
Um senhor rezando num rosário com muita fé,
Aproxima-se e enfia algodão no meu nariz.
Agora todo povo perto de mim se aglomera.
A emoção aumenta. Mais gente chora.
Não consigo distinguir ninguém na atmosfera
Todos querem tocar em minhas mãos nesta hora.
É incrível, mas sinto até alguns beijos.
Pronto! Tudo agora está escuro. Fecharam a tampa.
Balançam-me. Estou no primeiro carro do cortejo.
Abrem novamente. Minha vista dói. Estou perto da campa.
O pessoal todo lamenta. O odor aumenta.
É rápido. Fecham a tampa novamente.
Dentro de mim, uma luta racial, embora lenta.
Glóbulo branco contra glóbulo vermelho transparente.
Pelo jeito estou no Cemitério da Paz.
Ao menos tenho alguns parentes vizinhos
Que me acompanharão nessa hora voraz.
Não me deixarão na solidão nem ficarão sozinhos.
Aliás, até já me acostumei à escuridão.
Apesar de preferir minha cremação instantânea,
Livre da saudade, da dor e da falsa ilusão,
Dou início agora à minha vida subterrânea.