Aos últimos clarões de um sol que expira,
Entre as escumas da corrente, à tona,
Um tronco desce... e como que ressona,
E no seu sono, a sonhar, delira!
Sonha, quiçá, sua fronde esmeraldina,
Onde as brisas cantavam serenatas,
E as aves, em sutis bandolinatas,
Abriam a voz numa explosão divina...
Frutos pendentes a dourar seus galhos
E as lianas vivendo de sua vida...
A fera, à sombra, a lhe pedir guarida,
Vindo sentir-lhe os mágicos retalhos...
Sonha, de certo, as noites de luar,
E o Madeira, tranqüilo, como em cisma,
Tendo nos versos do poeta – a crisma,
E no vento – um seresteiro a cantar.
Depois... a luta, o vendaval rugindo...
Folhas serpeando em doudos espirais...
Galhos rangendo entre gemidos e ais,
Ao chicotear dos ventos se partindo!
E os ninhos a rolarem pelo chão...
Aves implumes a chorar, piando...
E mais e mais, em fúrias, vergastando,
O temporal ribomba no trovão!
E por fim, a estrugir, fraqueja, cai
Sobre as águas barrentas do Madeira
– Líquida estrada de escumante esteira,
Onde sua vida, lenta, já se esvai!...
Velho Tronco! eu te entendo neste instante!
No teu silêncio eu descobri tua vida...
E em tua raiz, para o infinito erguida,
Uma bênção... um perdão edificante!
Ah! tu que foste fruto e sombra e ninho...
És sublime, ó Tronco, e eu te bendigo,
Pois rolando pra morte ainda és abrigo
Das garças e gaivotas do caminho!
* * *
Aprende, coração! E se na vida,
Em troca do bem, do amor que semeares,
Vires a ingratidão lá nos altares
A rir de ti, de tua ilusão sentida...
Relembra o Velho Tronco! E, já sumindo
Os últimos lampejos da existência,
Ampara o fraco e a tímida inocência,
E sentirás a vida reflorindo!