Amigos do Fingidor

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Poesia em tradução

Hamlet
Ato III, Cena I (Solilóquio)

William Shakespeare (1564-1616)

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais – herança do homem:
Morrer para dormir... é uma consumação
Que bem merece e desejemos com fervor.
Dormir... talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte os sonhos que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.
Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
Toda a lancinação do mal-prezado amor,
A insolência oficial, as dilações da lei,
Os doestos que dos nulos têm de suportar
O mérito paciente, quem o sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
– Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse atônita a resolução,
Nem nos fizesse tolerar os nossos males
De preferência a voar para outros, não sabidos?
O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação.

(Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos)