Amigos do Fingidor

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O livro da agonia I

Hildeberto Barbosa Filho

Nada sei dos homens nem dos deuses,
seus truques, sonhos, armadilhas e destinos,
nem nada sei da vida, cardume que se reinventa.
Nem nada sei do que na guerra existe,
do que na morte existe, do que na cor existe.
Sei que os homens sofrem porque lembram.
Sei que a cada manhã o tempo passa,
repartindo os filhos, as estórias, as mulheres
e que à noite restará um verso sem luz.
Nada sei, nada sei, nada sei,
mas quero guardar a alegria de cantar o amor.
Nada, nada, nada como o amor que vem,
invadindo as cidades, as catedrais, os ermos,
em louvor do grão da vida.
O resto é silêncio, como disse Shakespeare
e morrer também não é remédio.
Os livros não dizem tudo,
nem os astros nem as crenças.
As lições de partir
ficam aquém das estações e dos cais.
Só além do mar e dos teus olhos
eu vejo a ilha dos amores,
seus arrecifes de espinhas, seu gosto de sono,
a ressaca, o nunca mais.
Nada sei que me diga do definitivo pouso,
se há o ponto de apoio que procurava Konoválov,
se é possível o dantesco paraíso no meio do caminho,
ou tudo é selva escura, solidão, inferno?
Nada sei que me diga das estrelas,
nem do amor que tu me tinhas, seus topázios,
seus cabelos de silêncio.
Sei que os homens sofrem porque lembram.
Sei que o amor, o amor, o amor só é possível
reinventado...
E nada sei dos homens nem dos deuses,
se há o verso maior, o poeta maior, o amor maior,
se nesses dias brancos algum dia eu serei feliz.