Os poemas que não tenho escrito
porque
trabalhando num banco me interrompiam a toda hora
ou tinha que ir à venda e à horta
– quando o poema batia à porta,
os poemas que não tenho escrito
por temer
descer mais fundo no escuro de minhas grotas
e preferir os jogos florais
e preferir os jogos florais
de uma verdade que brota inócua,
os poemas que não tenho escrito
porque
meu dia está repleto de alô como vai volte sempre obrigado
e eu tenho que explicar na escola o verso alheio
quando era a mim próprio
e eu tenho que explicar na escola o verso alheio
quando era a mim próprio
que eu me devia explicado,
os poemas que não tenho escrito
porque gritam
'
ou cochicham ao meu lado
ligam máquinas tocam disco e ambulâncias
passam carros de bombeiro e aniversários de criança
e até mesmo a natureza solerte
se infiltra entre o papel e o lápis
inutilizando com sua presença viva
minha escrita natimorta,
os poemas que não tenho escrito
porque
na hora do sexo jogo tudo para o alto
e quando volto ao papel encontro telefonemas e prantos
e exigência de afetos, planos e reencontros
me deixando lasso o pênis e um remorso brando no lápis
esses poemas que não tenho escrito
como um ladrão escapando pelas frestas
ou covarde devorado por seus medos
e quando volto ao papel encontro telefonemas e prantos
e exigência de afetos, planos e reencontros
me deixando lasso o pênis e um remorso brando no lápis
esses poemas que não tenho escrito
como um ladrão escapando pelas frestas
ou covarde devorado por seus medos
e persas
esses poemas que não tenho escrito
esses poemas
estão lá dentro
me espreitando
alguns já ressacados
outros ressuscitando
outros me acudindo
muitos me acenando
batendo à porta
– me arrombando
– me arrombando
me invadindo a sala
com falas corretoras
enciclopédias e planos
com falas corretoras
enciclopédias e planos
esses poemas estão lá dentro
latentes
me apertando
atando
sufocando
me apertando
atando
sufocando
e qualquer dia me encontrarão
roxo e acuado
senão boiando e afogado
senão boiando e afogado
– numa sangria de versos desatada.