Amigos do Fingidor

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Estante do tempo

Soneto
Tenreiro Aranha (1769-1819)

À mameluca Maria Bárbara, mulher de um soldado, cruelmente assassinada no caminho da Fonte do Marco, perto desta cidade de Belém, porque preferiu a morte à mancha de infiel ao seu esposo.

Se acaso aqui topares, caminhante,
Meu frio corpo já cadáver feito,
Leva piedoso com sentido aspeito
Esta nova ao esposo aflito, errante.

Diz-lhe como de ferro penetrante
Me viste por fiel cravado o peito,
Lacerado, insepulto, já sujeito
O tronco feio ao corvo altivolante:

Que d’um monstro inumano, lhe declara
A mão cruel me trata desta sorte;
Porém que alívio busque à dor amara,

Lembrando-se que teve uma consorte,
Que por honra da fé que lhe jurara,
À mancha conjugal prefere a morte.