sou um dos 999.999 poetas do país
(Affonso Romano de Sant'Ana)
Manaus tem um poeta a cada esquina?
pois eu confirmo e assino embaixo
e refaço a conta affonsina:
inofensivos poetas
a olhar Manaus com olhos
de Ajuricaba louco
mergulhando no chafariz da praça
e afogando-nos em esperma
cozido pelo sol passante
como os leprosos que passeiam
sua infeliz cidade (ah, morena)
nos calcanhares da engarrafada 7
love, sandem, guaraná
as cores inebriam rútilas pupilas
sonadas pela erva-doce
e a cidade anoite/amanhece
com o estourar das flatulências cotidianas:
um escolar quebra um ônibus
um bêbado assobia o Bolero
um deputado vitupera comunistas
um ...
(indefinidamente, mediocridades diárias)
um bêbado assobia o Bolero
um deputado vitupera comunistas
um ...
(indefinidamente, mediocridades diárias)
e haja hipocrisia, malária, meningite
corrupção, hepatite
paternalismo, autoritarismo
desidratação
aborto fabricado em fundo de quintal
jogo do bicho, mormaço, banca de jornal
Ulysses, Grande Sertão, Tartufo, O Capital
e
nevermore nevermore
repete como um demente
o velho urubu ianque
pousado nos meus umbrais
só depende de você, caia na real:
se você disser que eu não rimo ou metrifico
te dou um beijo na boca
e te xingo parnasiana!
(ah, antes que eu me esqueça,
esta rua tem nome de poesia:
– Tomás Antônio Gonzaga
redondilhas pra Marília –
e só aqui no D. Pedro*
há pra mais de 100 esquinas)
* Conjunto habitacional, onde funcionava o bar Ecológico, onde este poema foi lido em público pela primeira vez.