Amigos do Fingidor

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Estante do tempo

Pitiapo (canto III)
Ermano Stradelli (1852-1926)


A linda filha de Yairo conheces,
Pitiapo gentil?
Ei-la! é a primeira
daquelas moças que, no vão da porta,
bando de corças assomam, trazendo
na cabeça, com a esquerda mão seguros,
os camutis a transbordar. Do rio
voltam. Os lindos corpos água pingam
ainda e luzem ao sol que os envolve
nos matutinos raios docemente.

Que pureza de formas, que lindeza
na sua casta nudeza primitiva
aos olhos patenteiam! Véus importunos
não contendem a vista, nem deturpam
as belas formas onde a mocidade
e a natureza porfiando brilham,
e nítidas no azul puro do céu,
entre os umbrais, desenham-se em um nimbo de luz.

É aquela, a mais nova de todas.
Curtos traz os cabelos luzidios,
negra como a d’esbelta bacabeira,
mal roçam-lhe os ombros – não completa
o ano ainda que a criança em moça
transformou-se – os pequenos peitos, rijos,
mal tremem quando anda, o corpo todo
trescala mocidade; os negros olhos,
doces e ardentes, de meiguice e chamas
prometedores endoudecem; meiga
juruti, sadia e forte a palma leva
às companheiras todas nos trabalhos
do tear e da roça; não a iguala
nenhuma nas domésticas tarefas;
a caça e a pesca, se ela as trata, tornam-se
delicados manjares; as bebidas
que amassa com suas mãos, quanto o sorriso
dos seus lábios faceiros, embriagam;
debaixo de seus dedos obedientes
o barro é feito, amolda-se em vasilhas,
que em elegância vencem os trabalhos
do mais perfeito oleiro; se aparece
nas festas todas vence em gentileza,
no natural donaire e formosura,
como a Ceucy do céu, a rival da Lua,
vence as estrelas todas, quando brilha.

É aquela, que adianta-se das outras
e ao chegar onde os velhos silenciosos
estão fumando diz:
“Meu pai, um moço,
e estrangeiro parece, aportou à ilha.
Na ubá vinha sozinho. Aí vem”.
E entra,
logo dito, ligeira na maloca.