Amigos do Fingidor

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Estante do tempo

Nênia
Luiz Ruas (1931-2000)



mas se o pássaro não vier como será?
os trigais deixarão cair – inútil esmola –
os grãos de ouro no chão incandescido.
as flores murcharão – flores de pedra –
pontiagudas como espinhos secos.
as fontes coalharão suas águas
e teu sorriso morrerá qual fruto podre.
se o pássaro não vier
será noite sem estrelas
e o sol não bordará mais de ouro e púrpura
as régias fímbrias do manto da aurora.
tuas mãos inutilmente chamarão os pirilampos
para os bailes feéricos no seio da floresta
se o pássaro não vier
a música silenciará
na última corda partida
de paganini.
o basilisco e as víboras dominarão os caminhos
e ficará deserto e frio o último dos ninhos.
não mais
não mais terás o meu carinho
pois teu rosto de mármore será
estulto como estátua de museu.
se o pássaro não vier
inutilmente serás.
serás o quê? ser o quê se o pássaro não vem?
ser o quê se não há mais flor?
ser o quê se não há mais ninho?