Amigos do Fingidor

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A solidão do morto

Almino Affonso


Na calçada,
inexoravelmente só,
um homem morto.

As pessoas
chegam
param
passam:
são baratas espantadas
como em dia de chuva.

Nenhuma lágrima:
o homem na solidão da morte.

Nas mãos
(rigidamente cruzadas ao peito),
onde o carinho
o amor
a lascívia
onde um resto ao menos de vida?

Nos sapatos
(cujas extremidades apontam
o céu
com irreverência),
ainda se vê o barro
do chão distante que pisaram.

Quantos caminhos trilharam
esses pés
agora juntos, atados, inertes?

A folha de jornal
cobre o morto indefeso:
mas ele não vê
mas ele não sente
mas ele não sabe...

Não há como fugir:
diante da morte
(só
na calçada
como um cão atropelado
ou numa cama
entre cambraias finas)
o homem,
pobre bicho-homem de palavras e gestos,
está só, infinitamente só.