Almino Affonso
Na calçada,
inexoravelmente só,
um homem morto.
As pessoas
chegam
param
passam:
são baratas espantadas
como em dia de chuva.
Nenhuma lágrima:
o homem na solidão da morte.
Nas mãos
(rigidamente cruzadas ao peito),
onde o carinho
o amor
a lascívia
onde um resto ao menos de vida?
Nos sapatos
(cujas extremidades apontam
o céu
com irreverência),
ainda se vê o barro
do chão distante que pisaram.
Quantos caminhos trilharam
esses pés
agora juntos, atados, inertes?
A folha de jornal
cobre o morto indefeso:
mas ele não vê
mas ele não sente
mas ele não sabe...
Não há como fugir:
diante da morte
(só
na calçada
como um cão atropelado
ou numa cama
entre cambraias finas)
o homem,
pobre bicho-homem de palavras e gestos,
está só, infinitamente só.