Amigos do Fingidor

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Estante do tempo

Elegias – Quinta
Guimarães de Paula (1932-1996)


Esta é a quinta estação da vida: a da lembrança,
a que reúne a primavera, o verão, o outono e o inverno,
e expressa a visão do que foi, do que é e do que será.
Opimas uvas foram esmagadas no passado e hoje
o vinho delas escorre e se bebido só produz ressaca...
Faces, mãos e sexos esmaecem sob a sépia do tempo
que – tal um polvo – aperta os seus tentáculos.

Das canções de ninar e dos colóquios de amor
apenas ecos longínquos reverberam em ouvidos agora imperfeitos.
O tato não mais capta a macia sensação do veludo da pele
que cobria ancas mornas e seios em fogo e
não percebe a ardência de púbis juvenis tumescentes na espera do cio.
Em tudo agora o que aflora é um titilar de saudade.
Há cinza, muita cinza se espalhando sobre antigas brasas
– rescaldo sem Phoenix...
Há musgo, muito musgo crescendo, pois o que era humano transformou-se em argila...
Há tédio, muito tédio consumindo a vida e
ninguém, ninguém pode ajudar ou amparar
porque tudo o que devia ser já foi escrito.

Jamais haverá retorno à primavera! Consumatum est!
Caput mortuum! Cinzas, cinzas
que os ventos da noite soprarão para o além!
enquanto teus gestos e o mês
chegando intocados
trazem o cálice para o esquecimento.