Vida não Vivida
Alfred de Musset (1810-1857)
Era bela, como a estátua
Em mortuária capela,
Dormindo em leito de pedra,
Imóvel, pode ser bela.
Tinha bondade, se basta
Dar, ao acaso, sem dó,
Sem que Deus enxergue a esmola,
Se a esmola é dinheiro só.
Pensava, se o vão ruído
De um falar suave e lento,
Como gemido de arroio,
Denuncia o Pensamento.
Orava, se os olhos negros
Uma vez fitos no chão,
Outra vez ao céu erguidos,
Podem chamar-se oração.
Sorrira, se o refrigério
De uma brisa, na alvorada,
Chegasse a expandir a flor
Que se conserva fechada.
Chorava, se, argila inerte,
Seu coração ressequido
Gotas de celeste orvalho
Pudesse haver recolhido.
Amara, se no seu peito
Não velasse orgulho fútil,
Como em cima de um sepulcro
Se entretém lâmpada inútil.
Aparentava viver...
Sem ter vivido morreu...
Caiu-lhe das mãos o livro...
Nesse livro nada leu!
(Trad. Francisco Otaviano)