Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O sermão da selva (III)

Max Carphentier


Bem-aventurados os que sonharam e os que plantaram lagos
no Tien Shan, duzentos lagos novos
bordejando de bálsamo a grande muralha ressequida,
e aqueles que descobriram a outra face de Assuan,
importante barragem perigosa (quantas outras
socorrem de uma forma e matam de outra?)
de águas represadas aparentemente só frutíferas,
mas que aprisionam a cútis milenar e tenra
do lodo com que o Nilo dá de beber ao Egito
tanta verdura em meio a penedias.

Porque esses, considerando a eficácia e a índole das águas,
e seu poder de vida sob os astros, que as governam,
respeitarão o desígnio constelado das nascentes
de fazer escorrer no corpo verde os rios,
livres no seu ciclo vital e na clemência
de sangue claro e artérias que recolhem
a selva em seus minúsculos sistemas e a transformam
no pão nômade e fácil dos cardumes,
na perpétua vocação de safra dessas margens.

Bem-aventurados os que sabem que as raízes e as folhas
e a flor que alberga a luz, que sonha nela,
tanto interessam à ave como à rocha
e ao homem e às brisas igualmente importam;
que um androceu perdido nas espumas
nutre indistintamente a argila e o peixe.
Esses não perturbarão os movimentos invisíveis
dos universos que se ajustam e se completam nos ecossistemas,
não frustrarão a saga de topázios das cachoeiras,
castas e nuas noivas do arco-íris,
trompas da mata e rendas dos abismos.

Desses o galardão maior será a vitória
da semente na várzea e a azáfama dos rios
carregando no braço as cestas das colheitas;
a juta a estender nas touceiras do dia
seus vestidos de sol bordados pela terra;
e as canoas fartas levando os seus pomares,
e os homens combinando a próxima manhã,
enquanto, alta alegria, o menino se firma
no chão e ergue o seu riso contra a noite.

Porque o que a selva une a ignorância não separe,
e o que ela protege a mesquinhez não maltrate
e tudo que sua égide geral contém num abraço
disso também se livre, e se cumpra e se salve.